213ª e 214ª Sessões Ordinárias do Tribunal do CADE, realizadas em 10 e 24 de maio de 2023.
Pautas, atas e áudio da sessão disponíveis em https://www.gov.br/cade/pt-br

 

Destaques do Poder Judiciário


 

STJ mantém reconhecimento de prescrição de ação de reparação por danos do “cartel das laranjas”

O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu conhecer, mas negar provimento, a Agravo em Recurso Especial[1] interposto por um produtor de laranjas contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP”) que declarou a prescrição de ação de reparação por danos decorrentes do “cartel das laranjas”.

O TJSP decidiu, em dezembro de 2022, indeferir pedido de reparação a produtor de laranja por supostos danos decorrentes da redução do valor pago por laranjas pelo “cartel das laranjas”, um acordo anticompetitivo formado por empresas compradoras de laranja para controlar a produção e os preços de caixas de laranjas. Segundo o TJSP, a ação de reparação de danos estaria prescrita, dado que “o termo inicial para a contagem do prazo prescricional é a data do negócio jurídico firmado entre as partes”, e teriam se passado mais de 3 anos desde a assinatura do contrato entre as partes. O produtor recorreu da decisão alegando que existiria divergência jurisprudencial sobre o termo de início para contagem do prazo prescricional para ações de reparação de danos causados por cartéis. Ademais, segundo o produtor, não seria possível exercer o direito de reparação de danos decorrentes do cartel antes de decisão definitiva do CADE, dado que a configuração da prática acabou sendo frustrada pelos Termos de Compromisso de Cessação (“TCCs”) firmados pelo CADE sem o reconhecimento de participação na conduta por parte das empresas investigadas.

O Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva, contudo, negou provimento ao recurso. Segundo o Relator, o recurso não poderia ser conhecido com base em suposta violação a lei federal, dado que o regimento interno do CADE não se enquadra no conceito de “lei federal”. Além disso, “para se entender que o Termo de Compromisso de Cessação de Conduta previa a assunção de culpa, instituindo a certeza quanto ao dano sofrido pelo recorrente, exigiria o reexame das provas dos autos, o que não se admite em recurso especial”. Nesse sentido, o Relator entendeu que não há divergência jurisprudencial sobre o termo inicial para contagem do prazo prescricional nos casos em que não há decisão definitiva do CADE sobre a existência do cartel, dado que o STJ já decidiu que a ciência do fato danoso, termo inicial para contagem da prescrição, consiste na data da celebração de contrato entre as partes. Dessa forma, o STJ manteve a decisão do TJSP.

 

Destaques da Superintendência-Geral do CADE


 

SG arquiva investigação contra Syngenta por suposto abuso de posição dominante

A SG decidiu arquivar investigação[2] que buscava apurar suposto abuso de posição dominante por Syngenta Seeds Ltda. e Syngenta Participations AG (em conjunto “Syngenta”), consistente em suposta discriminação e abuso do direito de petição (sham litigation) envolvendo o licenciamento de patente no mercado de produção e venda de sementes de milho.

A investigação foi instaurada em 24 de junho de 2022 a partir de Representação apresentada pela Sempre Agtech Ltda. (“Sempre”), uma empresa que atua na produção e venda de sementes de milho. Segundo a Sempre, a empresa teria um histórico comercial de mais de 10 anos junto à Syngenta para licenciamento de patente de evento transgênico (“trait”), responsável pelo melhoramento genético do milho. O trait da Syngenta seria um diferencial competitivo na venda de sementes de milho, estando presente em aproximadamente 54% de todo o milho vendido no Brasil. Ocorre que o Grupo Syngenta adquiriu em 2018 uma empresa concorrente na produção e venda de sementes de milho, passando, segundo a Sempre, a impor cláusulas abusivas para o licenciamento do trait, além de ter apresentado quatro ações alegadamente fraudulentas para aumentar os custos da Sempre no melhoramento genético das sementes de milho. A SG instaurou Inquérito Administrativo por entender que a conduta seria de competência do CADE.

Após manifestação da Syngenta nos autos, contudo, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo a SG, “as quatro ações judiciais acima possuem fundamentação jurídica mínima e razoável probabilidade de provimento judicial, tanto que, em duas dessas quatro ações, houve deferimento de antecipação de tutela (…) e, na única ação que houve prolação de sentença até o presente momento, ainda que desfavorável à Syngenta, houve analise de mérito, demonstrando que havia fundamentação jurídica para a causa de pedir (…) além de não consubstanciarem em quantitativo não razoável de ações judiciais”. Além disso, as ações não teriam sido embasadas em informações enganosas. Dessa forma, a SG entendeu que não existiriam indícios de que a Syngenta estivesse abusando do seu direito de petição, determinando o arquivamento da investigação. A Sempre apresentou recurso à SG requerendo manifestação específica sobre as supostas práticas de discriminação envolvendo o licenciamento do trait. O recurso está pendente de análise pela SG.

 

SG instaura investigação contra Google, Facebook e Telegram por supostas campanhas em desfavor do PL das Fake News

A SG decidiu instaurar investigação[3] para apurar suposto abuso de posição dominante por Google INC. e Google Brasil Internet Ltda. (“Google”), Meta INC e Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. (“Meta”) e Telegram Messeger Inc. (“Telegram”), consistente na suposta realização de campanhas em desfavor do Projeto de Lei n° 2630, conhecido como “PL das Fake News”.

O PL das Fake News busca estabelecer, dentre outras previsões, parâmetros para aumentar a transparência de redes sociais e serviços de mensageria privada com o objetivo de combater a desinformação na Internet. Nesse sentido, segundo a SG, o CADE recebeu denúncias por meio do canal “Clique-Denúncia” contendo supostos indícios de abuso de posição dominante por Google, Meta e Telegram, consistente na realização de campanhas em desfavor do PL das Fake News. Segundo as denúncias, o Google estaria direcionando usuários da sua página inicial do sistema de buscas para uma publicação própria sobre o PL das Fake News, além de ter patrocinado anúncios sobre o tema na plataforma Facebook, da Meta. Já o Telegram teria compartilhado mensagens com usuários contendo manifestação da empresa em desfavor do PL das Fake News.

Dessa forma, a SG decidiu instaurar Procedimento Preparatório para analisar se as condutas seriam de competência do CADE. As empresas apresentaram manifestações argumentando, em síntese, que (i) as manifestações sobre o PL das Fake News são expressões legítimas do direito à liberdade de expressão, (ii) não configuram matéria concorrencial sujeita à competência do CADE, e (iii) são incapazes de gerar efeitos negativos no mercado.

 

SG arquiva investigação de suposta influência à adoção de conduta comercial uniforme contra a LATAM

A SG decidiu arquivar investigação[4] que buscava apurar suposta conduta, pela TAM Linhas Aéreas S.A. (“LATAM”), consistente na influência à adoção de conduta comercial uniforme no mercado de transportes aéreo, por meio de declarações públicas de seu Chief Executive Officer (CEO).

A investigação foi instaurada de ofício pela SG em março de 2023 após tomar conhecimento de matéria jornalística publicada pelo “O Estado de São Paulo”, intitulada “Latam não vai reduzir preço para ganhar fatia do mercado’, diz CEO”. Segundo a SG, o CEO da LATAM teria afirmado em entrevista ao veículo jornalístico que a: “Latam não vai reduzir preço para ganhar fatia do mercado” e “Não está nas minhas metas ser líder (de mercado). Não vamos ganhar market share se não for de forma rentável. As margens precisam crescer ainda”. Dessa forma, a SG decidiu instaurar Procedimento Preparatório para investigar se a conduta caracterizaria influência à conduta uniforme ou outra prática anticompetitiva, de modo a ser de competência do CADE, solicitando informações à LATAM sobre o mercado de transporte aéreo, bem como esclarecimentos sobre o contexto das declarações.

Após os esclarecimentos da LATAM, contudo, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo a SG, “da análise da gravação integral da coletiva de imprensa, não se confirmaram textualmente, nas mesmas palavras, as frases imputadas ao entrevistado, citadas entre aspas na matéria jornalística que originou o presente”. Nesse sentido, “analisada a integralidade e o contexto das informações prestadas à imprensa, embora tenham sido feitas referências a políticas futuras de preços, de market share e de alocação de rotas, tais declarações continham sobretudo informações genéricas e análises gerais de mercado e da estratégia da companhia. Assim, não se vislumbram, a princípio, indícios que justifiquem a continuidade da investigação[5]. Dessa forma, a SG decidiu arquivar a investigação por ausência de indícios de infração à ordem econômica.

 

SG instaura investigação contra Telefônica devido a declarações públicas sobre preços

A SG decidiu instaurar investigação[6] para apurar suposta conduta anticompetitiva, pela Telefônica Brasil S.A. (“Telefônica”), decorrente de declarações públicas de seu CEO sobre preços durante teleconferência com investidores destinada à apresentação dos resultados trimestrais da companhia.

A investigação foi instaurada de ofício pela SG após tomar conhecimento de matérias jornalísticas intituladas “Vivo promove reajuste no pré-pago e espera que mercado siga a tendência” e “Vivo vai subir preços do pré-pago e espera servir de exemplo para outras teles”, publicadas, respectivamente, pelos veículos de mídia Teletime News e Minha Operadora. Segundo a SG, as matérias jornalísticas relatariam que o CEO da Telefônica, em teleconferência realizada com investidores no dia 10 de maio de 2023, destinada à apresentação dos resultados trimestrais da companhia, teria declarado que: “O pré-pago também vamos aumentar para passar da inflação, e seria bom se o mercado nos seguisse assim, porque o preço do pré-pago tem sido o mesmo há algum tempo” e “Por causa do investimentos necessários, precisamos aumentar a receita e o lucro, e espero que sejamos seguidos pelo mercado[7].

Dessa forma, a SG decidiu instaurar Procedimento Preparatório para analisar se a conduta seria de competência do CADE por caracterizar influência à conduta uniforme ou outra prática anticompetitiva, solicitando informações sobre os serviços prestados pela Telefônica, bem como esclarecimentos sobre contexto das declarações do CEO da companhia.

 

SG instaura investigação contra Telefônica, Tim e Claro por suposta restrição de acesso a perfis elétricos

A SG decidiu instaurar investigação[8] para apurar suposto abuso de posição dominante, pela Telefônica Brasil S.A. (“Telefônica”), consistente na restrição de acesso a perfis elétricos (comandos que permitem a ativação de um SIM card por uma operadora) nos estados do Amazonas e Alagoas, bem como suposta conduta de Claro S.A. (“Claro”) e Tim Brasil S.A. (“Tim”) consistente na utilização de ações judiciais para dificultar a disponibilização de perfis elétricos.

A investigação teve origem a partir de ofício da Agência Nacional de Telecomunicações (“Anatel”) contendo Reclamação Administrativa apresentada pela Base Serviço de Integração Móvel Ltda. (“Base”). Segundo a Base, que venceu licitação do Governo Federal para atuar como provedora da solução de operação de SIM Card (chip) neutro do programa Internet Brasil, a Anatel deferiu medida preventiva para obrigar a disponibilização, pela Telefônica, de até 650.000 perfis elétricos nos estados do Amazonas e Alagoas, mas desde o deferimento da medida preventiva a Telefônica teria se mantido silente sobre o fornecimento de perfis elétricos. Para a Base, a demora na contratação por parte da Telefônica violaria decisão da Anatel, além de configurar abuso de posição dominante, dado que dificultaria o acesso de rivais a perfis elétricos, um insumo essencial para a prestação de Serviços de Valor Agregado (“SVA”). Ademais, segundo a Base, existiriam indícios de conduta concertada entre Telefônica, Claro e Tim para dificultar a disponibilização de perfis elétricos a rivais. Em especial, a Base alega que haveria uma “recusa generalizada das detentoras de essential facilities em fornecer os perfis elétricos[9].

Dessa forma, a SG decidiu instaurar Procedimento Preparatório para analisar se a conduta seria de competência do CADE, bem como expediu ofícios solicitando manifestações por Base, Telefônica, Tim e Claro.

 

SG instaura investigação por supostas cobranças indevidas pela arrendatária do Porto de Salvador

A SG decidiu instaurar investigação[10] para apurar suposto abuso de posição dominante pela Tecon Salvador S/A (“Tecon Salvador”), consistente na cobrança indevida de taxa para liberação de carga desembaraçada no porto da Baía de Todos-os-Santos, na cidade de Salvador, Bahia (“Porto de Salvador”).

A Tecon Salvador é um terminal portuário, arrendatário do Porto de Salvador. A investigação teve origem em janeiro de 2023 a partir de denúncia apresentada pela Associação de Usuários dos Portos da Bahia (“USUPORT”). Segundo a USUPORT, a Tecon Salvador estaria abusando de sua posição dominante, decorrente doa condição de arrendatária do Porto de Salvador, para cobrar taxa para liberar cargas desembaraçadas sobre águas. Segundo a USUPORT, a cobrança da taxa seria indevida, dado que não há serviço adicional, mas mero cumprimento de obrigação legalmente prevista na cesta de serviços (Box Rate) referente ao contrato de arrendamento do Porto de Salvador.

Dessa forma, a SG decidiu instaurar Procedimento Preparatório para apuar se a conduta seria de competência do CADE, encaminhando ofícios à Tecon Salvador e à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ).

 

Destaques da Sessão de Julgamento


 

Tribunal reprova aquisição do Grupo Smile pela Hapvida

O Tribunal do CADE decidiu, por maioria, reprovar operação[11] consistente na aquisição, pela Hapvida Assistência Médica S.A. (“Hapvida”), de controle do Grupo Smile, formado por Esmale Assistência Internacional de Saúde Ltda. (“Smile Saúde”), Mais Saúde Clínica Ltda. (“Mais Saúde”) e Hospital João Paulo II Ltda. (“Hospital João Paulo II”).

A Hapvida é uma operadora de plano de saúde que integra o Grupo Hapvida, um dos maiores players de planos de saúde médico-hospitalares do Brasil. O Grupo Smile atua na comercialização de planos de saúde médico-hospitalares em diversos municípios do Brasil, com foco na região Nordeste. A operação foi notificada em junho de 2022 e consistia na aquisição de controle, pela Hapvida, do Grupo Smile, incluindo seus ativos e sua carteira de contratos de planos de saúde médico-hospitalares.

A operação resultaria em sobreposição horizontal nos mercados de (i) hospitais gerais, (ii) clínicas médicas e (iii) diagnóstico por imagem, todos na cidade de João Pessoa/PB, bem como nos mercados de planos de saúde médico-hospitalares (iv) individuais/familiares, em 119 municípios, (v) coletivos por adesão, em 71 municípios, e (vi) coletivos empresariais, em 173 municípios. Ademais, a operação ensejaria integração vertical entre (i) serviços médico-hospitalares (hospitais gerais, hospitais especializados e centros médicos) e planos de saúde médico-hospitalares em diversos municípios; (ii) serviços de apoio à medicina diagnóstica (“SAD”) e planos de saúde médico-hospitalares em diversos municípios; e (iii) quimioterapia ambulatorial e planos de saúde médico-hospitalares em São José do Rio Preto/SP.

Após a análise dos efeitos da operação, a SG entendeu que “Nos mercados de hospitais gerais e especializados, centros médicos e SAD com sobreposições horizontais, não há necessidade de aprofundamento da análise, devido ao elevado grau de verticalização das atividades ou ao baixo percentual de participação de mercado das Requerentes, inferior a 20%”. Contudo, em relação às sobreposições horizontais nos mercados de planos de saúde médico-hospitalares, “verificou-se, de forma geral, a presença de um único concorrente de grande porte: a Unimed. Os demais não possuem participação suficiente para contrabalançar eventual tentativa de exercício de poder de mercado por parte das Requerentes, exceto o Bradesco, no caso dos planos de saúde coletivos empresariais, que, no entanto, apresenta tickets médios superiores aos das Requerentes, não concorrendo efetivamente com elas[12]. Dessa forma, a SG recomendou a reprovação da operação, dado que a rivalidade seria insuficiente para contestar eventual abuso de posição dominante por parte da Hapvida após a operação. Os autos foram distribuídos à relatoria do Conselheiro Luis Braido.

Após a recomendação da SG, as requerentes apresentaram manifestação alegando que operadoras de planos de saúde com escala nacional exerceriam rivalidade suficiente para impedir eventual exercício de poder de mercado pela Hapvida. Segundo o Relator, contudo, Amil Assistência Médica Internacional e à SulAmérica Companhia de Seguro Saúde não poderiam ser consideradas rivais efetivas, capazes de obstar eventual exercício de poder de mercado pela Hapvida.

Assim, durante a 213ª SOJ, o Conselheiro Relator Luis Braido apresentou voto pela reprovação da operação. Segundo o Relator, “A análise dos diversos mercados revelou preocupações concorrenciais com planos de saúde médico-hospitalares individuais/familiares, coletivos por adesão e coletivos empresariais. Em tais mercados, a operação resultaria em elevadíssima concentração nas duas principais empresas atuando em mercados nos quais já há baixa rivalidade, conforme demonstram as taxas de lucro e de desvio coligidas”. Ademais, segundo o Relator, “Apesar de o Tribunal e este Gabinete terem se colocado à disposição das Requerentes para analisar possível ACC (…) as partes não conseguiram superar o desacordo entre elas. Diante esse cenário, faz-se impossível assentar reparos consensuais ao texto original da operação e ineficaz instituí-los pela via unilateral”. O voto do Relator foi acompanhado pela maioria dos demais membros do Tribunal, ficando vencida a Conselheira Lenisa Prado, que votou pela aprovação da operação condicionada a restrições unilaterais.

 

Tribunal declara que Sistema Unimed exerce controle comum sobre Unimed Campinas e Unimed Santa Bárbara para fins de notificação de atos de concentração

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, declarar que o Sistema Unimed exerce controle comum sobre as cooperativas Unimed para fins de notificação de atos de concentração, em resposta a Consulta apresentada por Unimed Campinas Cooperativa de Trabalho Médico (“Unimed Campinas”) e Unimed de Santa Bárbara D’Oeste e Americana Cooperativa de Trabalho Médico (“Unimed Santa Bárbara”)[13].

As consulentes explicaram que realizarão uma a operação consiste na incorporação, pela Unimed Campinas, da Unimed Santa Bárbara, com a aquisição de todas suas carteiras de beneficiários de planos privados. Como esclarecido pelas cooperativas, entidades do Sistema Unimed não possuem participação societária entre si e cada cooperativa possui autonomia gerencial e financeira. Não obstante, decisões estratégicas que envolvem o Sistema Unimed são centralizadas em uma única Confederação Nacional, a Unimed do Brasil, que delibera sobre o uso da marca, cria e fecha cooperativas, redige procedimentos comuns, bem como estabelece segmentação geográfica que impede a concorrência entre cooperativas. Nesse sentido, a Consulta solicitou o posicionamento do CADE sobre “se o Sistema Unimed exerce – e em que nível – controle externo e ingerência sobre as cooperativas médicas integrantes do sistema, o que poderia levar a conclusão de que para fins de notificação de ato de concentração, as Consulentes fazem parte de um mesmo grupo econômico e que, portanto, a Operação não seria de notificação obrigatória ao CADE”. A Consulta foi distribuída à relatoria do Conselheiro Relator Sérgio Ravagnani.

Durante a 213ª SOJ, o Conselheiro Relator apresentou voto pelo conhecimento da consulta e, no mérito, pela declaração de que a Unimed Campinas e a Unimed de Santa Bárbara estão sob controle externo comum do Sistema Unimed, de forma que integram um mesmo grupo econômico. Segundo o Relator, as consulentes “estão submetidas a controle comum externo, caracterizado pela relação de dependência e subordinação em relação às diretrizes emanadas do Sistema Unimed, que edita normas para o uso do nome e da marca Unimed; decide sobre a criação e permanência de cooperativas de qualquer grau do Sistema Unimed; uniformiza nacionalmente os procedimentos e rotinas a serem cumpridos pelas cooperativas, e define a segmentação geográfica das Unimeds Singulares, de modo a não competirem entre si, eliminando a rivalidade entre elas”. O Relator ressaltou, contudo, que “Caso a estrutura societária de quaisquer das Consulentes inclua participação acionária de outro grupo econômico que não o Sistema Unimed, igual ou superior a 20% do capital social, a notificação da operação descrita na petição inicial é obrigatória” e que “a resposta a esta Consulta não exclui a faculdade do Cade de requerer a submissão da operação descrita na presente Consulta a posteriori, nos termos do art. 88, § 7º, da Lei nº 12.529/2011.”

Os demais membros do Tribunal seguiram o voto do Relator. A decisão do CADE será vinculante por 5 anos, e especificamente para Unimed Campinas e Unimed de Santa Bárbara, de forma que não se aplica às demais cooperativas do Sistema Unimed.

 

Tribunal aprova acordo com a Bosch em investigação de suposto cartel internacional no mercado de sistemas de freio automotivos

O Tribunal do CADE decidiu, por maioria, homologar proposta de TCC[14] apresentada pela Robert Bosch GMBH (“Bosch”) em processo que busca apurar suposto cartel internacional no mercado de sistemas de freio para veículos leves entre 2005 e 2011[15].

Como parte do acordo, a Bosch confirmou participação na conduta, apresentou documentos para colaborar com a investigação, bem como se comprometeu a recolher contribuição pecuniária no valor de aproximadamente R$ 4,5 milhões. Ficaram vencidos os Conselheiros Lenisa Prado e Luis Braido, que se manifestaram pela não homologação do acordo com base, especialmente, na insuficiência da contribuição pecuniária.

 

Tribunal arquiva investigação envolvendo suposto convite à cartelização em mercado de revenda de combustíveis

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, arquivar investigação de suposto convite à cartelização, pela Pandolfi Combustíveis Ltda. (“Pandolfi”), junto às empresas Posto de Combustíveis Portal São Francisco Ltda., Stang & Stang Ltda. (“Rede Delta”) e o proprietário da Rede Delta, com fundamento na insuficiência de indícios de infração à ordem econômica[16].

A investigação foi instaurada pela SG em novembro de 2020 com base no compartilhamento de cópia, pelo Ministério Público do Estado do Paraná, de procedimento investigatório criminal contendo indícios de suposto cartel no mercado de revenda de combustíveis no município de Dois Vizinhos/PR, obtidos a partir de busca e apreensão do aparelho celular do proprietário da Rede Delta. Segundo a SG, a prova do ilícito seria um diálogo no aplicativo WhatsApp, em que um contato autodenominado “Pandolfi” teria encaminhado mensagem ao proprietário da Rede Delta alegando que o preço da gasolina praticado pelo rival estaria muito baixo. Nesse sentido, a SG entendeu que a empresa Pandolfi teria incorrido na prática de influência à adoção de conduta comercial uniforme por meio de “convite à cartelização”, um ilícito per se que independeria de aceite pelas outra parte e dispensaria análise de seus efeitos concretos. Dessa forma, a SG recomendou a condenação da empresa Pandolfi, embora tenha determinado o arquivamento em relação aos demais representados, dada a inexistência de indícios de conduta anticompetitiva, em especial porque ausente resposta ou indício de aceite do suposto convite.

Durante a 210ª SOJ, realizada em março de 2023, o Conselheiro Relator Sérgio Ravagnani apresentou voto pelo arquivamento da investigação em relação a todos os representados. Segundo o Relator, “a condenação de representados em processo administrativo sancionador, ainda que envolva condutas analisadas sob a ótica do ilícito per se, depende de padrão probatório que não deixe dúvidas quanto à materialidade e autoria do ilícito”. Nesse sentido, uma mera frase em aplicativo de mensagens, sem qualquer evidência adicional, não comprovaria a materialidade de um ilícito, tendo em vista o padrão probatório utilizado pelo CADE em casos de investigações de cartel.

O Conselheiro Luiz Hoffmann pediu vista dos autos, apresentando divergência durante a 214ª SOJ quanto ao paradigma utilizado para justificar o padrão probatório do CADE para arquivamento por insuficiência probatória – segundo o Conselheiro, o padrão probatório aplicável a casos de convite à cartelização não deveria ser comparfado ao aplicável a casos de cartel, já que “Enquanto o cartel exige a prova do conluio, ou seja, da existência de um acordo anticompetitivo entre os concorrentes, a influência à adoção de conduta uniforme por meio de convite à cartelização exige a prova robusta de que, de fato, o infrator convida o concorrente a participar de uma colusão ou que nesse possa provocar a adoção de postura direcionada, ou seja, o momento é anterior à própria existência do acordo, se existente.” Não obstante, o Conselheiro acompanhou o Relator quanto ao arquivamento do caso.

A Conselheira Lenisa Prado e o Conselheiro Gustavo Augusto de Lima acompanharam a divergência do Conselheiro Luiz Hofmann, enquanto os Conselheiros Luis Braido e Victor Oliveira Fernandes acompanharam o Relator. Dado que o Presidente Alexandre Cordeiro Macedo se declarou impedido, o Presidente Substituto, Conselheiro Sérgio Ravagnani, fez uso do voto de qualidade. Dessa forma, o Tribunal determinou, por unanimidade, o arquivamento do processo em relação a todos os Representados por insuficiência de provas e, por maioria, adotou a fundamentação do voto do Conselheiro Relator.

 

Tribunal arquiva investigação de suposta recusa de contratar pela Unimed Lavras

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, arquivar investigação[17] que buscava apurar suposta recusa de contratar, pela Unimed Lavras Cooperativa de Trabalho Médico Ltda. (“Unimed Lavras”), relacionada ao descredenciamento de clínicas de exames médicos de imagem.

A investigação teve origem em abril de 2018 a partir de Representação apresentada pela ECOMED Serviços Médicos Ltda (“ECOMED). Segundo alegado, a Unimed Lavras teria inaugurado seu próprio Centro de Diagnósticos no ano de 2016 para beneficiários exclusivos do Sistema Unimed, tendo em seguida descredenciado algumas clínicas rivais de exames de imagem de seus planos de saúde na cidade de Lavras/MG, dentre as quais clínicas da ECOMED. Nesse sentido, a Unimed Lavras estaria se valendo de sua posição dominante no mercado à montante de planos de saúde para fechar o mercado à jusante de exames de imagem.

Após a investigação de mercado, contudo, a SG decidiu recomendar o arquivamento da investigação, dado “que não há elementos robustos que conduzam à conclusão, utilizando-se da Regra da Razão como standard probatório de que a Representada deva ser condenada pelas práticas anticoncorrenciais denunciadas”[18].

Durante a 214ª SOJ, o Conselheiro Relator Victor Oliveira Fernandes apresentou voto pelo arquivamento da investigação. Segundo o Relator, a Unimed Lavras deteria posição dominante no mercado de planos de saúde médico-hospitalares no município de Lavras/MG, dado que seus beneficiários representariam, aproximadamente, 54% do total de beneficiários da cidade. Contudo, um dos requisitos necessários para configuração da prática de recusa de contratar consiste na identificação da “indispensabilidade” do ativo ou serviço objeto do contrato. No caso concreto, a Unimed Lavras teria descredenciado clínicas da ECOMED com relação a apenas três tipos de exames cardiológicos de imagem, mantendo credenciadas outras clínicas rivais. Ademais, não existiriam indícios de efeitos negativos decorrentes da conduta, dado que as clínicas não apresentaram perda de faturamento a ponto de ameaçar a continuidade de seus negócios. Segundo constatado, parte relevante do faturamento das clínicas descredenciadas pela Unimed Lavra adveio de planos de saúde médico-hospitalares rivais, sendo que a representatividade dos exames de imagem feitos por meio do plano de saúde da Unimed Lavras não seria relevante dentro do total do faturamento das clínicas descredenciadas.

Dessa forma, não existiriam indícios de efeitos negativos decorrentes do descredenciamento, e a prática da Unimed Lavras não constituiria infração à ordem econômica. Os demais membros do Tribunal acompanharam o voto do Relator.

 

Tribunal determina continuidade de investigação que busca apurar suposto cartel em mercado de revenda de combustíveis

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, homologar despacho do Conselheiro Luiz Hoffmann para avocar investigação que busca apurar suposto cartel entre proprietários de postos de gasolina da Rede Delta e Rede Mime no mercado de revenda de combustíveis no estado de Santa Catarina, determinando a continuidade da investigação[19].

A investigação foi instaurada em novembro de 2019 com base em conversas telefônicas contidas no aparelho celular do proprietário da Rede Delta, obtidas com medidas de busca e apreensão em investigações paralelas de cartel em mercados de revenda de combustíveis em outras cidades do estado de Santa Catarina. Segundo a SG, existiriam indícios de acordo de preços no mercado de revenda de combustíveis na cidade de Joinville, Santa Catarina, consistentes em conversas telefônicas entre os proprietários de postos de gasolina da Rede Delta e Rede Mime. Contudo, a SG decidiu arquivar a investigação em abril de 2023, considerando que o conteúdo das conversas telefônicas seria genérico e inespecífico em relação ao suposto cartel investigado, de forma que não foram encontrados indícios suficientes de infração à ordem econômica.

Durante a 213ª SOJ, contudo, o Conselheiro Luiz Hoffmann apresentou Despacho pela avocação da investigação, determinando a realização de diligências adicionais. Segundo o Conselheiro, a Rede Delta seria investigada em outros 5 Inquéritos Administrativos perante o CADE envolvendo práticas estritamente similares, em mercados geográficos próximos, durante o mesmo período, de forma que existiriam esclarecimentos de fato necessários para contextualizar adequadamente as conversas telefônicas contidas no aparelho celular do proprietário da Rede Delta. Em especial, segundo o Conselheiro, para que indícios de possível cartel fossem adequadamente apurados, seria necessário identificar a identidade das demais pessoas físicas envolvidas na conduta, dentre as quais funcionários da Rede Delta e Rede Mime. Dessa forma, o Conselheiro entendeu oportuno e conveniente a continuidade da investigação, determinando o retorno dos autos à SG para que determinadas pessoas físicas fossem identificadas, bem como solicitando informações sobre preços praticados pelos postos da Rede Delta e Rede Mime. O Despacho do Conselheiro Luiz Hoffmann foi homologado pelos demais membros do Tribunal.


NOTAS
[1] Agravo em Recurso Especial nº 2230359/SP.
[2] Inquérito Administrativo nº 08700.003005/2022-22.
[3] Procedimento Preparatório n° 08700.003089/2023-85.
[4] Procedimento Preparatório nº 08700.001819/2023-11.
[5] Nota Técnica Nº 8/2023/CGAA9/SGA2/SG/CADE.
[6] Procedimento Preparatório nº 08700.003498/2023-81.
[7] Ofício nº 4739/2023/CGAA4/SGA1/SG/CADE.
[8] Procedimento Preparatório nº 08700.003110/2023-42.
[9] Ofício nº 218/2023/CPRP/SCP-ANATEL.
[10] Procedimento Preparatório nº 08700.000097/2023-70.
[11] Ato de Concentração n° 08700.004046/2022-36.
[12] Parecer nº 26/2022/CGAA2/SGA1/SG.
[13] Consulta nº 08700.000931/2023-27.
[14] Requerimento de TCC nº 08700.001280/2021-21.
[15] Processo Administrativo nº 08700.004040/2020-05.
[16] Processo Administrativo nº 08700.005636/2020-14.
[17] Processo Administrativo nº 08700.002375/2018-66.
[18] Nota Técnica nº 50/2022/CGAA2/SGA1/SG/CADE.
[19] Inquérito Administrativo nº 08700.005420/2019-15.