208ª Sessão Ordinária do Tribunal do CADE, realizada em 08 de fevereiro de 2023.
Pautas, atas e áudio da sessão disponíveis em https://www.gov.br/cade/pt-br

 

Destaques do Poder Judiciário


STF fixa tese de repercussão geral sobre uso de provas ilícitas em processos administrativos

O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou jurisprudência envolvendo a inadmissibilidade do uso, no âmbito administrativo, de provas declaradas ilícitas em processos judiciais, firmando tese de repercussão geral sobre o tema[1].

Na origem, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) anulou condenação, pelo CADE, de empresa do ramo de gases industriais e medicinais por suposta formação de cartel no caso conhecido como “cartel dos gases”. Segundo o TRF1, a prova emprestada de Ação Criminal cujo conjunto probatório de interceptações telefônicas foi declarado ilícito pelo STJ foi fundamental à condenação do CADE. O CADE recorreu da decisão, alegando que existiriam provas autônomas no processo administrativo suficientes para condenação da empresa, de forma que a comprovação do cartel seria inevitável (teoria da descoberta inevitável) mesmo sem o acervo probatório declarado ilícito na Ação Penal.

O Recurso foi distribuído à relatoria do ministro Edson Fachin, que apresentou voto pela atribuição de repercussão geral à decisão, ainda sem antecipar seu juízo a respeito da controvérsia. Dessa forma, o recurso foi levado ao plenário do STF. Durante a sessão plenária, o ministro Gilmar Mendes destacou que “a experiência do Tribunal permite que se avance nas discussões, para reafirmar a jurisprudência consolidada sobre o tema, no sentido da inadmissibilidade, em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário”. Em especial, o ministro entendeu que “não é dado a nenhuma autoridade pública valer-se de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito judicial, seja na esfera administrativa, independentemente da natureza das pretensões deduzidas pelas partes.

Os ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Nunes Marques e André Mendonça seguiram o entendimento do Ministro Gilmar Mendes. Dessa forma, o STF conheceu do recurso interposto pelo CADE, mas negou-lhe provimento, fixando tese de repercussão geral nos seguintes termos: “São inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário”.

 

Justiça Federal nega pedido liminar da TotalPass para suspender efeitos de acordo celebrado pela Gympass com o CADE

A Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF do TRF1 decidiu negar pedido liminar da TotalPass Participações Ltda. (TotalPass) para suspender os efeitos de Termo de Compromisso de Cessação (TCC) firmado pela GPBR Participações Ltda. (Gympass) com o CADE no âmbito de investigação envolvendo contratos de exclusividade no mercado de plataformas digitais agregadoras de academias[2].

Em setembro de 2020, a TotalPass apresentou Representação ao CADE alegando a adoção, pela Gympass, de cláusulas de exclusividade e cláusulas most-favored-nation (MFN) com sua rede credenciada de academias, o que dificultaria a entrada de novas empresas no mercado. Após instrução processual, o CADE determinou que a Gympass suspendesse cláusulas MFN e parte das cláusulas de exclusividade vigentes. A Gympass, então, negociou TCC com o CADE para suspender a investigação. O acordo foi homologado por unanimidade durante a 202ª Sessão Ordinária de Julgamento, realizada em setembro de 2022, e prevê que a Gympass não deve firmar nem manter cláusulas MFN com academias de sua rede credenciada, e deve limitar acordos de exclusividade com academias de sua rede credenciada a 20% por município ou zonas de grandes cidades.

Segundo a TotalPass, contudo, o TCC homologado pelo CADE reestabeleceu parcialmente os contratos de exclusividade da Gympass sem garantir o direito de que a TotalPass apresentasse suas considerações na qualidade de terceira interessada na investigação, violando o devido processo legal e o direito ao contraditório. Dessa forma, a TotalPass apresentou Mandado de Segurança com pedido liminar para anular a decisão do Tribunal do CADE que homologou o TCC da Gympass, bem como para determinar que o CADE consultasse a TotalPass caso desejasse negociar novo TCC com a Gympass.

A 20ª Vara Federal cível da SJDF negou o pedido liminar da TotalPass. Segundo a decisão, o pedido não preencheria o requisito da probabilidade do direito (fumus boni juris), pois “inexiste previsão legal ou no regimento interno do CADE quanto a obrigatoriedade de se assegurar a terceiros o exercício do contraditório na formulação de Termo de Compromisso de Cessação de Prática, o qual é proposto e homologado em específico juízo de conveniência e oportunidade do CADE, o qual detêm o munus público de proteger os interesses da coletividade”. A decisão foi objeto de recurso pela TotalPass.

 

Destaques da Superintendência-Geral do CADE


SG arquiva investigação envolvendo suposta prática de sham litigation no mercado de software para leilões de automóveis

A Superintendência-Geral do CADE (SG) decidiu arquivar investigação[3] que buscava apurar suposta prática de litigância abusiva (sham litigation), pelas empresas MN Tecnologia Da Informação S/S Ltda (Nortix) e Absoluta Soluções Ltda. (Absoluta), bem como por seus respectivos sócios, no mercado de softwares de banco de dados para aplicação em leilões de automóveis.

A investigação foi instaurada em novembro de 2022 a partir de Representação apresentada pela Mesaque Soluções Corporativas Ltda. (Mesaque). Segundo a Mesaque, as empresas Nortix e Absoluta, concorrentes no segmento de softwares de banco de dados para aplicação em leilões de automóveis, teriam acessado indevidamente seus dados. Após isso, as Representadas teriam solicitado a instauração de Inquérito Policial alegando suposto acesso clandestino, pela Mesaque, à base de dados da Nortix, cujo objetivo seria legitimar as informações comerciais indevidamente coletadas da própria Mesaque. ainda, Nortix e Absoluta teriam apresentado uma série de ações judiciais na tentativa de impedir que a Mesaque operasse com seus próprios softwares, bem como teriam assediado clientela da rival por meio de comunicados, notificações extrajudiciais e e-mails.

Após analisar os fatos, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo a SG, as ações apresentadas pelas Representadas não poderiam ser consideradas infundadas ou manifestamente improcedentes, dado que envolveriam discussões legítimas ainda em andamento, inclusive com deferimento de medidas cautelares para proibir a Mesaque de utilizar ou divulgar informações supostamente obtidas indevidamente da Nortix. Ademais, não existiriam indícios suficientes de que a Nortix e a Absoluta teriam apresentado informações enganosas, fraudulentas ou omissões relevantes a fim de induzir o julgamento pelo Poder Judiciário ao erro. Nesse sentido, segundo a SG, embora condutas de sham litigation sejam de competência do CADE, “o propósito da autoridade da concorrência ao coibir práticas de abuso de direito de petição é evitar uma ação persecutória sistemática que prejudique o ambiente concorrencial de uma forma mais abrangente, não se prestando os órgãos de defesa da concorrência a corrigir discordâncias comerciais estabelecidas entre particulares[4].

 

SG arquiva investigação contra Linx por suposto abuso de posição dominante

A Superintendência-Geral do CADE (SG) decidiu arquivar investigação para apurar suposto abuso de posição dominante pela Linx S/A (Linx) iniciada após denúncia apresentada pela Cielo S.A. (Cielo)[5].

Segundo a Cielo, a Linx seria líder inconteste no mercado de software para gestão de operações de varejo, e estaria se utilizando de seu poder de mercado para alavancar sua participação no segmento de meios de pagamentos, especialmente a partir da venda casada de seus softwares com soluções de pagamento e da recusa em contratar credenciadores concorrentes. Após instaurar Inquérito Administrativo, a SG enviou ofícios a duas empresas que, segundo a Cielo, teriam sido afetadas pelas práticas da Linx, Makro e Habib’s, para questionar sobre o comportamento da Linx.

Contudo, segundo a SG, a partir das respostas apresentadas a Ofícios, “não se verificou nenhuma oportunidade em que a Linx teria, de qualquer forma, ofertado ou condicionado a contratação de seu software de gestão empresarial a contratação de sua própria solução de pagamentos, não tendo nenhuma empresa oficiada informado sequer a ocorrência de supostas pressões ou sugestões por parte da Linx visando o rompimento do contrato destas com a Cielo para que se contratasse a solução de pagamento Linx Pay. Outrossim, identificou-se que as dificuldades de integração de software suscitados não apenas apresentaram-se de maneira isolada, tendo ocorrido em apenas uma única oportunidade, mas também que delas não derivam preocupações concorrenciais, na medida em que não somente foram apresentadas justificativas técnicas para sua ocorrência, mas também restou revelado que tais questões poderiam dizer respeito a uma lide privada.”[6]

Além disso, a SG concluiu que “não seria racional para a Linx criar artificialmente um problema que prejudica sua imagem de forma quase imediata perante o cliente com a expectativa de que, no curto prazo, esse mesmo cliente contratará outros serviços da Linx para solucionar os problemas que essa mesma empresa criou”. Ainda, “a participação de mercado de empresas concorrentes da Stone/Linx, no mercado se soluções de pagamento em seus terminais TEF apresenta uma curva de crescimento contínuo desde a provação do Ato de Concentração [Stone/Linx], enquanto a solução de pagamento própria da Linx, a Linx Pay, vem perdendo share”. Nesse sentido, “não se mostra possível sequer presumir a existência de posição dominante por parte da Representada”.

 

SG instaura investigação contra Maersk e MSC por suposta conduta anticompetitiva no mercado de transporte marítimo de contêineres

A SG decidiu instaurar investigação[7] para apurar suposta conduta anticompetitiva por A.P. Møller – Maersk A/S (Maersk) e MSC Mediterranean Shipping Company Holding S.A (MSC), consistente no favorecimento de terminais portuários próprios.

A investigação foi instaurada a partir de Representação apresentada pela Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP). Segundo a ABTP, Maersk e MSC são responsáveis por mais de 79% das cargas conteinerizadas no Brasil. Além disso, as empresas teriam firmado uma série de aquisições e acordos que não despertaram a atenção do CADE individualmente, mas que de forma conjunta resultaram em um cenário de superdominância no segmento de transporte marítimo de contêineres. A ABTP alega, então, que as Representadas teriam adquirido uma série de terminais portuários na costa brasileira nos últimos anos, passando a discriminar rivais por meio do desvio de cargas por elas transportadas no mercado de transporte marítimo de contêineres em benefício de terminais dos seus próprios grupos econômicos, a despeito da maior eficiência e menor custo de terminais rivais em determinadas ocasiões. Dessa forma, a ABTP requereu a concessão de medida preventiva para que qualquer negócio jurídico com efeitos no setor portuário brasileiro envolvendo empresas dos grupos econômicos da Maersk e da MSC sejam submetidos à aprovação do CADE, independentemente do preenchimento dos critérios para notificação obrigatória de operações ao CADE, além da instauração de Processo Administrativo para imposição de sanções.

A SG instaurou procedimento preparatório e encaminhou Ofícios solicitando a manifestação das Representadas. As empresas argumentaram, em suas respostas, que as alegações da ABTP seriam falsas. Em especial, Maersk e MSC alegaram que são independentes e que concorrem entre si, sendo que a ABTP não teria apresentado nenhuma evidência de conduta coordenada, nem de discriminação de terminais portuários independentes em favor de terminais portuários dos seus grupos econômicos, dado que as destinações dos contêineres seriam fundadas em decisões econômicas legítimas. Dessa forma, solicitaram que seja indeferido o pedido de medida preventiva, bem como arquivada a investigação.

 

Destaques da Sessão de Julgamento


Tribunal aprova acordo para suspender investigação sobre contratos de exclusividade do iFood

O Tribunal do CADE decidiu, por maioria, homologarproposta de Termo de Compromisso de Cessação (TCC)[8] do iFood.com Agência de Restaurantes Online S.A. (iFood) para suspender investigação[9] envolvendo contratos de exclusividade no mercado de marketplaces de delivery online de comida.

Em setembro de 2020, a Rappi Brasil Intermediação de Negócios Ltda. (Rappi) e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRASEL) apresentaram Representações com pedido de medida preventiva em face do iFood. Segundo as Representantes, o iFood estaria fechando o mercado de marketplaces de delivery online de comida por meio de contratos de exclusividade de longa duração firmados junto a grandes redes de franquia. Em março de 2021, a SG decidiu converter a investigação de Procedimento Preparatório para Inquérito Administrativo, bem como deferir o pedido de medida preventiva das Representantes para impedir a celebração de novos contratos de exclusividade pelo iFood. Segundo a SG, o iFood deteria posição dominante e vantagem de pioneiro por ter sido a primeira empresa a explorar esse segmento no Brasil, de forma que contratos de exclusividade com grandes redes de restaurantes, responsáveis por um volume relevante de faturamento e indispensáveis para atração da plataforma, teriam alto potencial de elevar os custos para que plataformas rivais se tornassem igualmente atrativas.

O iFood decidiu, então, apresentar proposta de TCC para suspender a investigação. Em julgamento, a maioria dos membros do Tribunal apresentou voto pela homologação do TCC, com exceção da Conselheira Lenisa Prado. Segundo a maioria, o acordo seria conveniente e oportuno, dado que os limites estabelecidos aos contratos de exclusividade seriam progressivos e proporcionais e buscariam endereçar as principais preocupações apresentadas pelos agentes do setor, notadamente no que se refere a grandes redes de franquia. O TCC prevê, dentre outras, as seguintes obrigações:

• Limitação dos contratos de exclusividades a estabelecimentos representando até: (i) 25% do volume nacional de negócios em termos de volume bruto de mercadorias; e (ii) 8% do total de restaurantes cadastrados e ativos na plataforma para cada município com mais de 500 mil habitantes. Além disso, o iFood não poderá firmar acordos de exclusividade com redes com mais de 30 unidades.
• Os compromissos de exclusividade não devem impedir que estabelecimentos: (i) façam promoções e vendam em plataformas que não constituam marketplaces (e.g., sites próprios ou redes sociais); (ii) contratem outras plataformas de marketplaces de comida após o fim da exclusividade; e (iii) acessem a plataforma iFood sem a obrigação de firmar exclusividade.
• Ademais, todo contrato ou proposta de renovação de exclusividade deverá garantir ao menos uma dentre duas contrapartidas: (i) serviços para aprimoramento de produtos e serviços (g., consultoria); ou (ii) investimentos que garantam aumento de receita do estabelecimento em, no mínimo, 40% acima do crescimento do setor.

 

Tribunal aprova aquisição de área do Complexo Industrial Portuário de Suape, mas determina investigação de gun jumping

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, aprovar operação[10] consistente na aquisição, pela APM Terminals B.V. (APMT), da totalidade do capital social e votante da Atlântico Sul Empreendimentos e Participações Ltda. (Atlântico Sul).

A APMT é uma subsidiária do Grupo Maersk, que atua no mercado de transporte marítimo regular de contêineres. A Atlântico Sul é uma empresa controlada pela Estaleiro Atlântico Sul S.A. – em Recuperação Judicial (EAS), responsável pela construção e reparo de navios e plataformas offshore no Complexo Industrial e Portuário de Suape, em Pernambuco. Até o fechamento da operação, a EAS realizará uma reorganização societária para transferir à Atlântico Sul os bens e direitos da Unidade Produtiva Isolada (UPI) B Cais Sul. A UPI-B Cais Sul é composta por uma área localizada no Complexo Industrial Portuário de Suape em que existem equipamentos, prédios administrativos (vestiário, refeitório) e galpões (de oficina e almoxarifado) que, segundo as Requerentes, seriam de uso geral e não estão são relacionados, por si só, a uma atividade econômica específica.

As Requerentes notificaram a operação ad cautelam sob o Rito Sumário, argumentando que a operação não deveria ser conhecida porque a UPI-B Cais Sul seria um ativo não operacional, não essencial para oferta de serviços portuários e cujo aquisição não representaria acréscimo à capacidade produtiva da APMT. Em 02 de novembro de 2022, contudo, a SG decidiu conhecer a operação. Segundo a SG, a jurisprudência do CADE não exige que ativos estejam em operação no momento da notificação para que um ato de concentração seja conhecido. Além disso, a UPI-B Cais Sul seria essencial ao exercício da atividade de terminal de contêineres, não devido aos ativos existentes na área adquirida do Complexo Industrial Portuário de Suape, e sim por sua localização, que “é fator fundamental para que a APMT possa nela construir e desenvolver um terminal de contêineres”. Nesse sentido, a operação “conferirá incremento de capacidade produtiva ao Grupo Maersk no segmento de movimentação e armazenagem de carga por terminais portuários, uma vez que atualmente ela é zero e passará a existir”. De qualquer forma, a SG decidiu aprovar a operação sem restrições, dado que não existiriam sobreposições horizontais ou integrações verticais.

Entretanto, em 11 de novembro de 2022, após a aprovação da operação sem restrições pela SG, mas dentro do prazo de 15 dias da publicação do Edital tornando a operação pública, a Tecon Suape S.A. (Tecon Suape) e a Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP) apresentaram pedidos de habilitação como terceiras interessadas, bem como recurso ao Tribunal do CADE contra a decisão da SG. Segundo a Tecon Suape e a ABTP, a operação ensejaria sobreposição horizontal no patamar de 40-50% em termos de capacidade de movimentação de contêineres em terminais da região Nordeste. Ademais, a Maersk deteria participação de mercado de 40-50% no segmento de transporte marítimo de cargas conteinerizadas da região Nordeste, verticalmente relacionado ao mercado de movimentação de contêineres em terminais. Nesse sentido, a operação ensejaria risco de que o Grupo Maersk passasse a favorecer o terminal da APMT, em detrimento dos de rivais, ao desviar contêineres do segmento de transporte marítimo de cargas conteinerizadas em benefício próprio.

Em julgamento, a Conselheira Relatora Lenisa Prado apresentou voto pela aprovação da operação sem restrições. Segundo a Relatora, “a Operação indubitavelmente representa um projeto greenfield, sem impacto concorrencial vigente, o que se reconhece, mas que pode ocasionar futura integração vertical no mercado de movimentação e armazenagem de cargas e de transporte de contêineres”, mas não se poderia “afirmar, nesse momento, que há riscos concorrenciais aos outros players, tampouco ao mercado afetado”.

Entretanto, a Conselheira Relatora destacou que a proposta, pela APMT, para aquisição de empresa em recuperação judicial na condição de primeira proponente (stalking horse) e com direito de cobrir outras propostas (right to top) “demonstra que, mesmo antes de efetivada a aquisição – e antes e/ou durante a implementação do Ato de Concentração –, pode ter havido uma divisão do negócio entre as partes, com a provável troca de informações sensíveis e possível ilicitude na integração prematura, fatos que geram maior concentração no mercado e excluem a rivalidade empresarial”. Nesse sentido, a Conselheira votou pela instauração de Procedimento Administrativo para Apuração do Ato de Concentração, a fim de verificar eventual consumação da operação sem a aprovação obrigatória do CADE (gun jumping). Os demais membros do Tribunal votaram com a Conselheira Relatora.

 

Tribunal determina investigação de gun jumping em face de empresas do setor automobilístico

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, reprovar operação[11] envolvendo a formação de uma joint-venture (JV), com sede na Alemanha, entre empresas do setor automobilístico, destinada a viabilizar a cooperação para o desenvolvimento de soluções digitais e disponibilização de um marketplace para oferta de aplicativos e compartilhamento de informações do setor. Além disso, o Tribunal instaurou investigação para apurar suposta prática de gun jumping.

A operação foi notificada em junho de 2022 sob o Rito Sumário, tendo sido aprovada sem restrições pela SG. O caso foi, entretanto, avocado pelo Tribunal, nos termos de Despacho do Conselheiro Gustavo Augusto de Lima. Segundo o Conselheiro, existiriam riscos de compartilhamento de informações sensíveis, dada a ausência de mecanismos de segurança e monitoramento que permitissem às autoridades antitruste fiscalizarem o compartilhamento de informações.

Durante a 207ª SOJ, realizada em dezembro de 2022, a operação foi aprovada, por unanimidade, com restrições determinadas pelo Conselheiro Relator Gustavo Augusto de Lima. Segundo o Conselheiro Relator, a operação envolveria alta probabilidade de exercício de poder de mercado, pois as participações combinadas das requerentes seriam elevadas no mercado nacional de fabricação de automóveis em geral e de caminhões e ônibus. Além disso, a operação poderia ensejar sobreposições horizontais, relações verticais e transversais na cadeia automotiva, dado que a JV também abarcaria empresas de outros segmentos e permitiria que novas empresas ingressassem no futuro. Segundo o Conselheiro, como decorrência da probabilidade do exercício de poder de mercado, as requerentes poderiam impor padrões técnicos de interoperabilidade aplicáveis aos consumidores e aos rivais. Ainda, “a simples adequação abstrata às medidas de compliance concorrencial, bem como as salvaguardas contratuais existentes no contrato da Joint Venture, não seriam suficientes, por si só, para afastar os riscos competitivos em tela, em especial a troca de informações concorrencialmente sensíveis. Agrava essas preocupações o fato que o objetivo central da joint-venture parece ser, precisamente, a troca de informações entre competidores[12]. Dessa forma, segundo o Conselheiro Relator, o Acordo em Controle de Concentrações (ACC) que havia sido proposto pelas Requerentes seria insuficiente para sanar as preocupações concorrenciais, dada a ausência de mecanismos de enforcement destinados a garantir os compromissos assumidos contratualmente, sendo necessária a determinação de restrições adicionais.

Em janeiro de 2023, as Requerentes apresentaram manifestação informando a desistência da operação, alegando que as restrições determinadas pelo CADE teriam tornado a operação inviável. Nesse sentido, as Requerentes solicitaram a declaração de perda de objeto do Ato de Concentração. O Conselheiro Relator, contudo, apresentou Despacho com o entendimento de que a manifestação das Requerentes solicitando a declaração de perda de objeto da operação teria sido apresentada após o prazo de 45 dias para que assinassem o termo de adesão aos remédios determinados pelo Tribunal, sob pena de reprovação da operação. Dessa forma, segundo o Conselheiro Relator, a operação deveria ser reprovada e não declarada como tendo perdido o objeto.

Além disso, o Conselheiro Relator destacou ter tomado conhecimento, por meio de notícia jornalística, da possível consumação de operação similar – uma JV envolvendo as mesmas requerentes, à exceção da Bosch, com objeto semelhante ao da JV notificada no Brasil – no exterior sem aprovação do CADE. Segundo esclarecimentos das Requerentes, a operação teria sido reestruturada, retirando-se o Brasil do escopo geográfico da JV. Em especial, as Requerentes alegaram que a implementação de geo-blocking, de modo que potenciais usuários localizados no Brasil não serão capazes de acessar ou se registrar no website da JV, bem como a proibição de troca de informações nas quais ao menos uma das empresas seja registrada ou localizada no Brasil evitaria qualquer troca de informações envolvendo potenciais efeito no país. Para o Conselheiro Relator, contudo, seria necessário averiguar se a criação da nova JV deveria ou não ter sido notificada no Brasil, assim como investigar se a JV poderia implicar prática anticompetitiva. Dessa forma, o Tribunal decidiu reprovar a operação notificada em junho de 2022, bem como determinar a instauração de procedimentos para investigar possível configuração de gun jumping e de práticas coordenadas envolvendo as Requerentes.


NOTAS
[1] Recurso Extraordinário com Agravo nº 1316369/DF.
[2] Mandado de Segurança Cível nº 1002416-35.2023.4.01.3400.
[3] Procedimento Preparatório nº 08700.007086/2022-30.
[4] Nota Técnica nº 6/2023/CGAA11/SGA1/SG/CADE.
[5] Inquérito Administrativo nº 08700.004226/2020-56.
[6] Nota Técnica nº 5/2023/CGAA11/SGA1/SG/CADE.
[7] Procedimento Preparatório de Inquérito Administrativo nº 08700.007982/2022-07.
[8] Requerimento nº 08700.005597/2022-17.
[9] Inquérito Administrativo nº 08700.004588/2020-47.
[10] Ato de Concentração nº 08700.007988/2022-76.
[11] Ato de Concentração nº 08700.004293/2022-32, envolvendo as empresas BASF; BMW; Henkel; Mercedes-Benz; Bosch; SAP; Schaeffler; Siemens; T-Systems; Volkswagen; e ZF.
[12] Voto do Conselheiro Relator Gustavo Augusto de Lima.