Sessão realizada em 03 de junho de 2020. Pautas, atas e áudio da Sessão disponíveis em www.cade.gov.br

 

Destaques do Poder Legislativo

 

PL que estabelece regime concorrencial durante a pandemia da Covid-19 é sancionado com vetos

Após tramitar na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, o PL 1179/2020, que institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de direito privado em virtude da pandemia da Covid-19 foi sancionado com vetos pela Presidência da República, tornando-se a Lei nº 14.010/2020. Há dois pontos de destaque da perspectiva da defesa da concorrência.

Em primeiro lugar, a Lei estabelece um “Regime Concorrencial” transitório sob o qual, em relação aos atos praticados e com vigência de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020:

(i) Ficam sem eficácia os dispositivos legais que caracterizam como infrações à ordem econômica as práticas de preço predatório e cessação parcial ou total de atividades de empresa sem justa causa comprovada; e

(ii) Fica suspensa a obrigação de notificar contratos associativos, consórcios ou joint ventures como Atos de Concentração ao CADE, ainda que as empresas envolvidas nessas operações atinjam os parâmetros legais de faturamento [1].

Além disso, a Lei também determina que o CADE deverá, com relação às demais infrações à ordem econômica além das citadas no item (i) acima, caso praticadas a partir de 20 de março de 2020 e até que se encerre o estado de calamidade pública, levar em consideração as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia da Covid-19. Deve-se destacar que o CADE já sinalizou seu entendimento de que as circunstâncias causadas pela pandemia não podem ser utilizadas como justificativa para pedidos de imunidade antitruste em relação ao cometimento de infrações à ordem econômica.

Com relação ao item (ii), destaca-se que a própria Lei nº 14.010/2020 reconhece que o CADE pode solicitar que as partes apresentem o Ato de Concentração em momento posterior, ainda que a obrigação de notificar contratos associativos, consórcios ou joint ventures esteja suspensa. Além disso, é importante ressaltar que as empresas podem notificar essas operações ao CADE, ainda que a Lei tenha suspendido a obrigatoriedade de sua notificação. Em especial, representantes do CADE já afirmaram durante eventos públicos que recomendam que as empresas continuem notificando contratos associativos, joint ventures e consórcios a despeito da suspensão transitória da obrigação de notificar, de forma a obter maior segurança jurídica e reduzir os riscos de eventuais investigações futuras.

Por fim, vale notar que, como descrito em edições anteriores do Boletim Informativo Antitruste, uma das medidas propostas no PL 1179/2020 era a imposição de desconto de 15% sobre as comissões cobradas de motoristas por empresas de transporte individual de passageiros e de entregas. Em estudo, o Departamento de Estudos Econômicos do CADE havia indicado que essa proposta poderia gerar efeitos negativos sobre o bem-estar dos consumidores e a concorrência [2]. Depois de terem sido reinseridos no texto final do PL 1179/2020 aprovado pelo Senado, os artigos que previam essa medida foram vetados pela Presidência.

 

Destaques da Sessão de Julgamento

 

Tribunal condena conselhos de medicina por criar obstáculos ao uso de cartões de descontos

O Tribunal do CADE condenou, por unanimidade, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) por criarem obstáculos ao uso de cartões de descontos para consultas médicas, nos termos do voto da Conselheira Relatora Lenisa Prado [3].

O caso envolveu o lançamento do “Cartão de Todos”, um clube de descontos em que o consumidor paga mensalidade ao fornecedor do cartão para ter acesso a descontos em consultas médicas. Após seu lançamento, o CFM criou regras para proibir que médicos e clínicas estabelecessem vínculos com empresas que anunciassem ou comercializassem cartões de desconto, ao passo em que o Cremesp implementou essas regras abrindo sindicâncias e processos ético-disciplinares contra médicos que e clínicas que aceitavam o “Cartão de Todos”.

O CADE iniciou a investigação em face dos conselhos de medicina após receber uma representação do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública (DPDC/MJSP) em 2018. Em julgamento, o Tribunal entendeu que as condutas do CFM e do Cremesp não contavam com justificativa legítima, ao passo em que foram capazes de efetivamente afastar a classe médica do uso de cartões de desconto, reduzindo a concorrência e elevando os preços dos serviços prestados.

Por esses motivos, as entidades foram condenadas, em conjunto, ao pagamento de R$ 900 mil em multas pelas práticas anticompetitivas, além de deverem se abster de instaurar regulamentos, sindicâncias e processos administrativos disciplinares, boicotes ou qualquer outra prática que tenha por objetivo punir, ameaçar, coagir ou retaliar os médicos que aceitem atender através de cartões de descontos.

 

Tribunal aprova operação entre TIM e Telefônica sem restrições

O Tribunal do CADE negou, por unanimidade, recurso da Claro contra decisão da Superintendência-Geral, confirmando a aprovação sem restrições de operação de compartilhamento de redes (ran sharing) com o objetivo de implantar e prestar serviços sob as tecnologias 2G, 3G e 4G entre as empresas TIM e Telefônica Brasil, nos termos do voto da Conselheira Relatora Lenisa Prado [4].

A SG havia aprovado a operação após concluir que ela não despertaria preocupações concorrenciais, além de gerar potenciais benefícios ao bem-estar do consumidor, destacando que não haveria aquisição de ativos e que os contratos são exclusivamente operacionais, sendo que as partes continuarão independentes em suas atividades comerciais.

A Claro, terceira interessada no processo, apresentou recurso argumentando que o parecer da SG não havia abordado de maneira detalhada pontos relevantes relacionados a potenciais efeitos anticompetitivos da operação, e que o Tribunal deveria condicionar a aprovação da operação à criação de mecanismos que garantissem que as requerentes irão manter rede e espectro disponíveis para que as demais prestadoras possam cumprir suas obrigações de atendimento de roaming.

Conforme entendeu o Tribunal, a operação de fato não desperta preocupações concorrenciais. Isso porque o compartilhamento de redes proposto não aumentaria os incentivos para que as requerentes reduzissem ou prejudicassem o acesso de concorrentes ao roaming. Além disso a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) permanecerá fiscalizando as partes para garantir que o acesso de rivais a redes não fosse prejudicado. Por fim, o Tribunal reconheceu que contratos de ran sharing normalmente geram eficiências que efetivamente são revertidas aos usuários dos serviços de telefonia.

Dessa forma, o Tribunal negou o recurso da terceira interessada, mantendo a decisão de aprovação da operação sem restrições.

 

Tribunal determina abertura de inquérito para apurar conduta de conselhos de contabilidade

O Tribunal referendou, por unanimidade, despacho do Conselheiro Luiz Hoffmann pela avocação de procedimento preparatório e instauração de Inquérito Administrativo para apurar supostas condutas anticompetitivas praticadas pelo Conselho Federal de Contabilidade e por Conselhos Regionais da classe [5].

A SG havia originalmente instaurado uma investigação em face dos conselhos de contabilidade para apurar suposta fixação de honorários dos profissionais por meio de tabelamento de preços, além de restringir a concorrência por impor limitações à publicidade no Código de Ética do Conselho Federal. Posteriormente, foi juntada à investigação denúncia da empresa Contabilizei Contabilidade Ltda. [6], que tratou de restrição pelo Novo Código de Ética Profissional do Contador a determinados tipos de publicidade com possíveis efeitos anticompetitivos.

Embora tivesse identificado possível infração à ordem econômica relacionada à limitação de publicidade pelos conselhos de contabilidade, a SG havia decidido arquivar o procedimento preparatório em fevereiro de 2020, entendendo que a análise deveria ser conduzida pela Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia, por meio da advocacia da concorrência, e não pelo CADE.

O Tribunal do CADE, no entanto, entendeu que não seria possível afastar a competência do CADE para avaliar possível caso concreto de infração à ordem econômica, ainda que a Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia também seja competente para atuar concorrentemente no caso. Dessa forma, o Tribunal homologou a proposta de avocação e determinou o retorno dos autos à Superintendência-Geral para a continuidade das investigações em sede de Inquérito Administrativo.


NOTAS
[1] Conforme o artigo 88 da Lei nº 12.529/2011 em conjunto com a Portaria Interministerial nº 994 de 30 de maio de 2012, devem ser notificados ao CADE atos de concentração em que pelo menos um dos grupos econômicos envolvidos tenha obtido faturamento bruto igual ou superior a R$ 750 milhões no ano anterior à operação, e ao menos um outro grupo econômico envolvido na operação tenha obtido faturamento bruto igual ou superior a R$ 75 milhões no ano anterior à operação.
[2] Nota Técnica nº 21/2020/DEE/CADE. Vide Boletim Informativo Antitruste nº 176.
[3] Processo Administrativo nº 08700.005969/2018-29.
[4] Ato de Concentração nº 08700.006163/2019-39.
[5] Inquérito Administrativo nº 08700.006673/2015-82.
[6] A AJDC representa a empresa nesse procedimento.