Publicado no Valor Econômico

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) começa o ano de 2024 com grandes casos, de diferentes setores, para finalizar. O conselho vai correr atrás do tempo perdido em 2023, quando ficou quase dois meses sem o número mínimo de conselheiros para julgamentos e outras análises. Agora composto por sete integrantes, sendo quatro recém-chegados, o Cade terá nas mãos operações das mais diversas: desde vendas de refinarias de petróleo até compras de fabricantes de chocolates.

No estoque, há um total de 82 operações já aprovadas pela Superintendência-Geral do Cade que aguardavam a retomada do quórum mínimo para serem concluídas definitivamente. Com a composição incompleta, o tribunal ficou paralisado nesse fim de ano e os casos não foram encerrados, ainda que já aprovados pela superintendência.

Operações em que um grupo teve faturamento bruto, no ano anterior, de pelo menos R$ 750 milhões e o outro de ao menos R$ 75 milhões, precisam notificar o órgão antitruste (Lei nº 12.529, de 2011).

O principal caso a ser analisado pelo Cade em 2024, segundo especialistas ouvidos pelo Valor, deverá ser a revisão de um acordo firmado entre o órgão e a Petrobras. Este ano, a petrolífera pediu para desfazer o acordo, firmado em 2019, que obriga a estatal a se desfazer de um conjunto de refinarias.

Os conselheiros analisarão se isso seria descumprimento de contrato. Se considerado que sim, avaliarão se deve ser imposta penalidade, além da continuação da investigação sobre eventual concentração de mercado pela Petrobras no segmento de refino.

A empresa já está negociando com a autarquia a possibilidade de propor alternativas à venda de refinarias, segundo uma fonte a par do assunto. Para o conselho, seria importante ter garantia de que a estatal não vai abusar de posição dominante no refino, mesmo que ela não venda as unidades, acrescenta a fonte.

Ao mesmo tempo, tramita no órgão denúncia sobre eventual conduta abusiva da empresa na venda do óleo cru. Apesar de distintos, os casos podem caminhar juntos na análise, segundo fonte.

No segmento de chocolates entra em cena a disputa sobre doces “premium”. O Cade deverá analisar a proposta da Nestlé de compra da Kopenhagen. Porém, no julgamento da compra da Garoto pela Nestlé – caso que tramitou no Cade por 21 anos e foi encerrado em 2023 -, o conselho restringiu novos negócios que representem participação de, pelo menos, 5% no mercado por cinco anos.

Ainda no setor de alimentos, a autarquia deverá analisar uma operação entre Marfrig e Minerva, que quer comprar a operação de abate da primeira. As empresas chegaram a apresentar o negócio ao Cade como “procedimento sumário”, rito usado para casos mais simples, de menor potencial ofensivo à concorrência. Mas a superintendência converteu para o andamento normal, dos casos mais complexos.

Em relação a investigações de infrações como cartéis e condutas anticoncorrenciais, o conselho ainda tem como herança os cartéis revelados nas investigações da Operação Lava-Jato. Neles, também há um ponto que precisa ser solucionado: qual o efeito das decisões judiciais que invalidaram provas da Lava-Jato nas investigações no Cade?

Isso porque, além de poder pegar emprestado provas de outras investigações, o conselho faz provas próprias. Há pelo menos 20 casos sobre o tema no órgão e nenhum chegou a ser concluído no tribunal.

Também estão em andamento investigações sobre preços de companhias aéreas determinados por meio de algoritmo e sobre declarações de executivos de telefonia em eventos públicos.

Entre os advogados, há expectativa com relação a acordos de leniência, sobre corrupção em empresas, que estão sendo assinados. Representantes do Cade informaram, em evento do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência (Ibrac), que podem ser abertas novas investigações, sem detalhar os casos. A conduta tem sido uma das prioridades do Cade, que criou uma unidade especial dedicada a isso.

A maior parte das operações apresentadas ao Cade é concluída depois da análise pela superintendência, sem precisar ir ao tribunal para julgamento pelos conselheiros. Dados do Cade indicam que, no ano de 2022, foram analisados 675 atos de concentração e apenas 15 deles foram levados ao tribunal.

O segundo semestre de 2023, no Cade, foi tomado pela expectativa da falta de quórum mínimo e da mudança de conselheiros.

Agora, o Cade sai de um ano em que resolveu uma “questão de honra”, segundo José Del Chiaro, sócio da Advocacia Del Chiaro. O advogado reforça que o ano de 2023 começou devagar do ponto de vista de atos de concentração. Porém, para ele, essa realidade foi mudando ao longo do ano, junto com a expectativa de recomposição do conselho.

Luiz Felipe Ramos, sócio do mesmo escritório, destaca que especialistas na área esperam a publicação de um “guia de concentrações não horizontais” – entre integrantes de uma mesma cadeia, por exemplo -, em que o Cade publicará sua jurisprudência sobre o tema.

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