Uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) que determinou que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) considerasse os impactos de fusões e aquisições sobre os empregos tem provocado debate na comunidade jurídica.

O entendimento sobre o tema está longe de ser unânime, mas a maioria dos especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico acredita que a decisão da Justiça Trabalhista não é de todo descabida e nem invadiu a competência da autarquia.

O jurista e sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados, Lenio Streck, afirma que a decisão é constitucional. “O Cade não faz controles no vácuo. Há empregos em jogo. Nenhuma instituição é uma ilha. Tratando-se de um órgão que tem a função de regular e controlar fusões de transferências, naturalmente e consequentemente tendo relação com empregos, há ligação com os direitos sociais e com o próprio conceito de empresa naquilo que consta no artigo 219, da Constituição Federal. Não é desarrazoado que a Justiça do Trabalho intervenha”, explica.

Opinião parecida tem Marcos Poliszezuk, sócio fundador do Poliszezuk Advogados. “Em uma primeira análise, a proteção aos postos de trabalho não se configura como prerrogativa instrucional do Cade, porém não pode este se furtar à valorização do trabalho humano em comunhão com a livre iniciativa, tendo por finalidade assegurar a toda sociedade a sua existência digna conforme os ditames da justiça social previsto no artigo 170 da Constituição Federal, ou seja, a livre concorrência, a defesa do consumidor e a busca pelo pleno emprego, incisos IV, V e VIII respectivamente”, defende.

José Inácio Gonzaga Franceschini, sócio do escritório Franceschini e Miranda Advogados explica que existe muita confusão sobre a decisão. “A leitura que vem sendo feita é errada. Na decisão a desembargadora deixou claro desde o começo que o Cade não tem competência para tratar da questão trabalhista”, diz.

Franceschini afirma que a decisão se limita aos parâmetros dos pedidos feitos pelo Ministério Público do Trabalho. Nesse sentido, quando o ato julgado envolver redução de custos e dispensa em massa, a decisão estabelece que o Cade considere a função social da propriedade nos processos de fusão.

O especialista explica que considerar a função social da propriedade não envolve necessariamente a preservação de empregos. Ele cita como exemplo o caso da Kodak. “A Kodak fechou porque ninguém queria comprar mais seus produtos. Como manter funcionários trabalhando para produzir um produto que ninguém quer? Não existe isso. A função social é aquilo que é o melhor para a sociedade, que deseja produtos mais inovadores e baratos, de acordo com o objetivo da livre iniciativa”, resume. Ele acredita que a decisão não pode ser interpretada de forma literal.

Críticas

José Del Chiaro, sócio da Advocacia Del Chiaro, adota um tom mais crítico em relação ao caso. “Decisão judicial se cumpre, mas de decisão judicial equivocada se recorre e, possivelmente, ela é revertida”, afirma.

O especialista explica que a competência do Cade é muito clara no sentido de cuidar, fiscalizar e implementar a competitividade e a livre concorrência. “É óbvio que o Cade, quando faz uma análise, ele sopesa, verifica quais são as eficiências dessa operação de fusão. E, ao fazer isso, ele até pode incluir questões de nível social. Mas isso é uma análise própria, dentro da competência do Cade, que tem uma abrangência muito grande em verificar o que é melhor para o mercado”, sustentou.

O advogado Pedro Abreu, sócio da área trabalhista do DC Associado, também vê inconsistências na decisão do TRT-15. “A Justiça do Trabalho não é competente para análise da matéria, já que em momento algum está em discussão a relação de emprego ou de trabalho de trabalhadores de determinada empresa ou mesmo de uma categoria específica”, afirma.

Ele explica que o entendimento do MPT e que foi acolhido em parte pelo TRT da 15ª Região é que a Constituição Federal, por meio dos seus princípios sociais e protetivos do trabalho, permite concluir que o Cade tem a obrigação de considerar as repercussões sobre as relações de emprego na análise de processos de fusão e aquisição mesmo que a legislação específica (Lei 12.529/11) não o obrigue.

“A recente decisão mais uma vez traz à tona a discussão da atuação do Judiciário, em especial o Trabalhista, em impor obrigações não previstas expressamente na legislação ordinária, utilizando-se como fundamento princípios constitucionais abstratos”, argumenta.

Caso concreto

A decisão do TRT-15 foi provocada por ação civil pública do Ministério Público do Trabalho contra o Cade. O MPT questiona a conduta do conselho na aprovação da fusão das empresas Citrosuco e Citrovita, em dezembro de 2011. O negócio provocou demissão em massa nas cidades de Matão e Limeira, ambas no interior paulista.

No voto vencedor, a relatora, desembargadora Maria da Graça Bonança Barbosa, afirmou que o Cade deve “fundamentar suas decisões com a devida consideração às repercussões, para o ato de concentração sob análise, da função social da propriedade, da livre iniciativa e do valor social do trabalho, nos termos da Constituição Federal”.

Processo 0012149-49.2014.5.15.008

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