2ª Sessão Extraordinária do Tribunal do CADE realizada em 26 de janeiro de 2022. Pautas, atas e áudio da sessão disponíveis em www.cade.gov.br

 

Destaques do CADE

 

CADE publica estudos sobre o mercado de saúde suplementar

No início do ano, o CADE publicou estudo intitulado “Atos de concentração nos mercados de planos de saúde, hospitais e medicina diagnóstica”. Trata-se de atualização de estudo publicado em 2018, sendo dividido em duas partes. Na primeira, avalia-se o panorama geral e as especificidades dos mercados de planos de saúde, hospitais e medicina diagnóstica. Na segunda, avalia-se a jurisprudência do CADE na definição de mercados relevantes, análise de entradas e rivalidade, e restrições impostas a operações do setor de planos de saúde suplementar.

No final de 2021, o CADE já havia publicado o documento “Mercados de saúde suplementar: condutas”. O documento também é uma versão atualizada de estudo publicado anteriormente, em 2015, que busca identificar alterações regulatórias, estatísticas e tendências de decisões do CADE no setor. O estudo avalia as características concorrenciais do mercado, assim como as decisões do CADE em processos sancionadores envolvendo tabela de preços, cooperativas médicas e unimilitância.

A íntegra dos documentos está disponível em “Cadernos do CADE”.


Destaques da Superintendência-Geral do CADE

 

SG recomenda aprovação de compra do Grupo BIG pelo Carrefour com restrições

A Superintendência-Geral do CADE (“SG”) decidiu impugnar Ato de Concentração [1] envolvendo a aquisição da totalidade das ações do Grupo BIG (“BIG”) pelo Atacadão S.A. (“Atacadão”), do Grupo Carrefour. Em seu Parecer, a SG recomenda a aprovação da operação condicionada à celebração de Acordo em Controle de Concentrações (“ACC”) que compreende tanto remédios estruturais quanto comportamentais.

O Grupo BIG atua nos segmentos de varejo de autosserviço, atacado de distribuição e postos de combustíveis por meio das bandeiras BIG e BIG Bompreço, Bompreço, Mercadorama, Nacional, Todo Dia, Maxxi e com os clubes de compra Sam’s Club. O Grupo Carrefour, por sua vez, atua nesses mercados com as bandeiras Atacadão, Carrefour, Carrefour Bairro e Carrefour Market. A operação resultará, portanto, em sobreposições horizontais nos segmentos de (i) comércio varejista de autosserviço, (ii) atacado de distribuição e (iii) revenda de combustíveis no varejo.

Conforme a análise da SG – que enviou mais de uma centena de ofícios a concorrentes das empresas para reunir dados sobre os impactos da operação em centenas de municípios – não haveria preocupações concorrenciais nos segmentos de atacado de distribuição e revenda de combustíveis no varejo, já que a participação combinada das empresas seria limitada. Por outro lado, a SG apontou que, no mercado de varejo de autosserviço, sobreposições horizontais envolvendo algumas unidades despertariam preocupações concorrenciais, dado que resultariam em concentrações de mercado elevadas (em geral superiores a 60%) e a possibilidade e novas entradas e rivalidade seriam insuficientes para coibir o exercício de posição dominante.

Assim, para mitigar possíveis preocupações, a SG negociou com as empresas um ACC que compreende remédio estrutural consistente no desinvestimento de determinadas unidades de varejo de autosserviço, além de remédios comportamentais relativos a obrigações de não reaquisição de quaisquer ativos dos negócios desinvestidos e de preservação de sua viabilidade econômica entre a aprovação da operação e a efetiva alienação. A operação será agora analisada pelo Tribunal do CADE, que poderá decidir de maneira distinta da recomendação da SG.

 

SG conhece parceria para migração de clientes como operação de notificação obrigatória

A Superintendência-Geral do CADE (“SG”) decidiu conhecer Ato de Concentração [2] envolvendo parceria por meio da qual o BS2 S.A. (“BS2”) recomendará a seus clientes pessoas físicas detentores de contas correntes digitais que migrem para custódia do Banco Bradesco S.A. (“Bradesco”), banco com ampla gama de serviços financeiros nacionais e internacionais, e do Next Tecnologia e Serviços Digitais S.A. (“Next”), uma plataforma digital de produtos e serviços financeiros. O BS2, uma instituição financeira que atua com operações de conta corrente digital, cartões, crédito e assessoria de investimentos, descontinuará o serviço de contas correntes digitais de seus clientes pessoas físicas, mas continuará atuando com produtos relacionados a contas internacionais e de investimentos.

As Requerentes notificaram a operação ad cautelam e solicitaram seu não conhecimento, argumentando que o contrato não seria de notificação obrigatória dado que “(i) as Partes se manterão como players independentes no mercado; e (ii) o objeto do contrato está condicionado à anuência dos Clientes” [3]. A SG, contudo, entendeu que carteiras de clientes de pessoas físicas detentoras de contas digitais constituem ativo intangível, de forma que a operação representaria, na realidade, uma aquisição de ativos intangíveis do BS2 por Bradesco e Next. Dessa forma, a operação seria de notificação obrigatória.

Assim, a operação foi conhecida pela SG, que a aprovou sem restrições. Isso porque os market shares combinados das requerentes nos mercados de contas correntes (depósitos à vista), depósitos a prazo e poupança, concessão de crédito, operações de câmbio, cobranças bancárias e emissão de cartões, em que haverá sobreposição horizontal, seriam inferiores a 20%, ao passo em que a integração vertical entre as atividades de (i) emissão de cartões de pagamento e (ii) licenciamento de bandeiras não despertaria preocupações devido à participação de mercado da Elo (bandeira licenciada pelo Grupo Bradesco) na atividade de arranjos de pagamentos ser inferior a 30% e a participação do BS2 no segmento de cartões ser insignificante.

 

SG considera empresa investida pelo BNDESPar como integrante de seu grupo econômico para fins de conhecimento de aquisição

A SG decidiu conhecer Ato de Concentração [4] envolvendo a aquisição da totalidade das ações da ACCT Consultoria e Desenvolvimento S.A. (“ACCT”), uma empresa do ramo de desenvolvimento de programas de computador sob encomenda, suporte técnico e outros serviços em tecnologia da informação, pela Quality Software S.A. (“Quality”), uma empresa que presta serviços de implementação, execução e assessoramento no setor de informática. A Quality é detida por investidores institucionais, dentre as quais o BNDESPar, uma holding detida pelo BNDES para fins de investimentos estratégicos no setor privado conforme interesse do governo brasileiro, detentor de participação societária representativa de 25,99% de seu capital social.

As empresas notificaram a operação ad cautelam e solicitaram seu não conhecimento, argumentando que os critérios legais de faturamento para tornar a notificação obrigatória não seriam cumpridos, posto que nem a ACCT nem a Quality teriam obtido faturamento igual ou superior a R$ 750 milhões no ano anterior à operação. Em especial, as requerentes argumentaram que a Quality não deveria ser considerada parte do grupo econômico do BNDESPar para fins de cálculo do faturamento, posto que (i) o BNDESPar seria um investidor institucional com poderes limitados no conselho de administração, (ii) os investimentos possuiriam apenas caráter econômico e (iii) o próprio Acordo de Acionistas da Quality dispunha que o BNDESPar não seria considerado controlador. Caso se considerasse a Quality como parte do grupo econômico do BNDESPar, o critério de faturamento igual ou superior a R$ 750 milhões seria cumprido.

A SG, contudo, destacou que a qualificação de grupos econômicos para fins de cálculo de faturamento não se dá apenas pelo poder votante ou influência nas decisões das empresas investidas, não sendo esse “um aspecto considerado quando o acionista possui ao menos 20% de participação societária na empresa alvo, mas tão somente na hipótese de avaliar o controle exercido na referida empresa, conforme interpretação indicada em precedentes deste Conselho” [5]. Ou seja, a participação acima de 20% do BNDESPar sobre a Quality seria suficiente para enquadrar a empresa como integrante de seu grupo econômico, ultrapassando-se o faturamento de R$ 750 milhões de notificação obrigatória.

Assim, a operação foi conhecida pela SG, que a aprovou sem restrições, dado que as participações de mercado combinadas da Quality e da ACCT no mercado de serviços de tecnologia da informação seriam pouco significativas, e potencial integração vertical entre a ACCT e as empresas investidas pelos acionistas da Quality não despertaria preocupações devido ao mercado brasileiro de TI ser pulverizado.

 

SG instaura duas novas investigações por suposto abuso de posição dominante por Unimed e Petrobras

A SG decidiu instaurar dois Inquéritos Administrativos para apurar supostos abusos de posição dominante pela Unimed João Pessoa Cooperativa de Trabalho Médico (“Unimed João Pessoa”) e pela Petróleo Brasileiro S.A. (“Petrobras”).

O primeiro inquérito [6] busca apurar suposto abuso de posição dominante por parte da Unimed João Pessoa no mercado de serviços hospitalares de maternidade em João Pessoa/PB, consistente na recusa de contratar com maternidades concorrentes para favorecer sua rede própria verticalizada. Segundo denúncia apresentada pela CLIM Hospital e Maternidade Ltda. (“CLIM”), a Unimed João Pessoa teria se valido de sua posição dominante para descredenciar a maternidade de forma injustificada e redirecionar artificialmente a demanda para estabelecimento integralmente controlado por médicos cooperados da Unimed, alavancando assim seu próprio hospital.

Conforme apurado pela SG, a Unimed João Pessoa possui participação de mercado de aproximadamente 54% no segmento de planos de saúde, o que, conjugada à verticalização com hospital próprio, demandaria maior atenção concorrencial, dado que existiriam incentivos para fechamento de mercado. Dessa forma, a SG entendeu que a conduta é de competência do CADE e exige investigação de potenciais efeitos negativos. Contudo, a SG afirmou que, embora existam indícios de infrações à ordem econômica, não foi possível estabelecer nexo de causalidade entre a conduta narrada e potencial prejuízo ao mercado como tudo, rejeitando a adoção de medida preventiva solicitada pela CLIM.

O segundo inquérito [7] busca apurar suposto abuso de posição dominante pela Petrobras consistente no aumento de preços de combustíveis. Segundo a SG, estudos especializados do setor indicariam que existem indícios de possíveis condutas anticompetitivas nos aumentos de preços de combustíveis realizados pela empresa. Em um dos estudos mencionados pela SG, afirma-se que “O controle total do acesso às infraestruturas essenciais para levar o gás até o mercado (…), e a consequente capacidade de estabelecer preços ao longo da cadeia de valor, permitem ao agente monopolista a possibilidade de discriminação de agentes e a sustentação de preços acima do que poderia ser alcançado em um mercado concorrencial”, sendo necessária “uma atuação dos órgãos de defesa da concorrência em conjunto com a regulação setorial para a introdução da concorrência sadia e justa visando o benefício da sociedade” [8].

Assim, a Petrobras foi oficiada para responder uma série de questionamentos referentes a sua política de precificação de combustíveis e distribuição de lucros dividendos internos. Em sua resposta, a empresa destacou que o CADE não pode se propor a regular preços e não haveria preocupações concorrenciais relativas a sua conduta comercial.

 

SG decide arquivar investigação de suposto abuso na distribuição de cervejas contra Ambev

A SG decidiu arquivar procedimento aberto após denúncia [9] apresentada pela Confederação Nacional das Revendas Ambev e das Empresas de Logística e Distribuição (“Confenar”) que buscava averiguar suposto abuso de posição dominante pela Ambev S.A. (“Ambev”), consistente na supressão da liberdade comercial de distribuidores de cerveja por meio da interferência indevida em seus modelos de negócio.

Segundo a Confenar, a Ambev estaria se valendo da dependência econômica dos distribuidores para achatar as margens de lucro dos distribuidores, fixar preços de revenda, discriminar agentes, além de monitorar o cumprimento de suas determinações por meio da coleta de informações empresariais via tecnologias da informação. A Ambev argumentou que as acusações eram fundadas em interesse privado da Confenar para pressionar eventual reajuste em seu modelo de remuneração, de forma que o CADE não possuiria competência para tratar do caso.

De fato, a SG considerou que a relação contratual de distribuição entre Ambev e Confenar possui natureza privada e as informações por ela coletada seriam de legítimo interesse comercial, sem o condão de afetar negativamente o mercado ou o consumidor. Além disso, segundo a SG, os distribuidores não seriam dependentes da Ambev, já que poderiam comercializar outros tipos de bebidas ou adotarem outros modelos de distribuição. Ainda, não foram observadas práticas de exclusividade, benefícios não lineares ou descontos progressivos baseados em volume de vendas d estabelecidos diretamente com pontos de venda, que seriam capazes de restringir a concorrência na distribuição de cerveja. Dessa forma, a SG determinou o arquivamento da investigação.


Destaques da Sessão Extraordinária de Julgamento

 

Tribunal aprova com restrições operação no setor de plataformas online de viagens

O Tribunal do CADE aprovou, com restrições previstas em Acordo em Controle de Concentrações (ACC), Ato de Concentração [10] envolvendo a incorporação da totalidade do capital social da J3 Operadora Logística S.A. (“J3 Operadora”) pela Bus Serviços de Agendamento S.A. (“Bus Serviços”) e aquisição, pela J3 Participações, controlada pelos grupos Guanabara e JCA, de participação no capital social da Bus Serviços. Como resultado da operação, a J3 Participações passou a deter controle compartilhado da Bus Serviços, que incorporou a J3 Operadora.

A Bus Serviços é uma plataforma online de viagens (Online Travel Agency – OTA) especializada na comercialização de passagens rodoviárias (sob a denominação “ClickBus”). A J3 Operadora, por sua vez, atua no segmento de Global Distribution System (“GDS”), consistente em serviços B2B que buscam facilitar a venda de passagens por meio de captura de inventário de rotas e respectiva distribuição em canais de venda, mediante integração tecnológica e intermediação com plataformas OTA. Consumada em 2016, a operação foi notificada apenas em 2020, após a SG identificá-la em sede de Inquérito Administrativo [11] que busca averiguar possíveis condutas anticompetitivas no mercado de plataformas de vendas online de passagens de ônibus, levando à instauração de investigação para analisar eventual gun jumping [12].

Embora a operação não tenha gerado nenhuma sobreposição horizontal, foram levantadas preocupações quanto a integrações verticais entre os segmentos de (i) transporte rodoviário coletivo regular de passageiros, onde atua o grupo controlador da J3 Participações, (ii) comercialização de passagens rodoviárias pela internet em plataformas OTA, onde atua a Bus Serviços, e (iii) integração e intermediação de conteúdo rodoviário entre plataformas OTA e viações rodoviárias (serviços GDS), onde atua a J3 Operadora. O foco da avaliação concorrencial foi a integração entre serviços GDS e plataformas OTA, já que a relação entre serviços GDS da J3 Operadora e transporte rodoviário coletivo regular de passageiros do grupo controlador da J3 Participações era pré-existente à operação.

O Tribunal do CADE entendeu que a operação havia, de fato, resultado em incentivos e condições para fechamento de mercado em face de rivais. Isso porque haveria incentivos para que as requerentes direcionem o conteúdo rodoviário agregado de serviços GDS somente para a plataforma OTA da Bus Serviços, em prejuízo das demais plataformas OTA e serviços GDS concorrentes, dado que seu portfólio de rotas de serviços GDS tem grande relevância para rivais. Além disso, as requerentes teriam capacidade para fechar o mercado, posto operarem em um mercado caracterizado como oligopolístico e com altas barreiras regulatórias à entrada.

Para endereçar essas preocupações, as requerentes negociaram remédios que contemplam (i) fim de políticas de exclusividade, atuais e futuras, com empresas contratantes de seus serviços de GDS ou OTA; (ii) obrigações de isonomia não discriminação nem recusa injustificada de contratação de viações rodoviárias e OTAs; (iii) separação estrutural entre unidades de negócio para evitar que a Bus Serviços utilize informações concorrencialmente sensíveis de plataformas OTA concorrentes que contratam seu serviço de GDS; (iv) implementação de um programa de compliance concorrencial; e nomeação de trustee de monitoramento do cumprimento do ACC.

Na mesma sessão de julgamento, foi aprovado sem restrições Ato de Concentração [13] referente à aquisição, pelo Grupo Guanabara, de participação no capital social da J3 Participações, operação societária relacionada à incorporação do capital social da J3 Operadora pela Bus Serviços. Com relação a essa operação, o Tribunal entendeu que o incremento da participação acionária não alterou a sistemática de governança da J3 Participações nos negócios da Bus Serviços, de forma que as preocupações concorrenciais identificadas na integração vertical com as atividades da empresa já teriam sido endereçadas no Ato de Concentração envolvendo a incorporação da J3 Operadora pela Bus Serviços.


NOTAS
[1] Ato de Concentração nº 08700.003654/2021-42.
[2] Ato de Concentração nº 08700.006570/2021-61.
[3] Vide Parecer 568/2021/CGAA5/SGA1/SG.
[4] Ato de Concentração nº 08700.005922/2021-61.
[5] Parecer nº 574/2021/CGAA5/SGA1/SG.
[6] Inquérito Administrativo nº 08700.004968/2020-81.
[7] Inquérito Administrativo nº 08700.000212/2022-25.
[8] Vide Nota Técnica n° 014/2018-SIM da ANP, datada de setembro de 2018, referente à “Promoção da Concorrência na Indústria de Gás Natural”.
[9] Procedimento Preparatório nº 08700.004911/2019-49.
[10] Ato de Concentração nº 08700.004426/2020-17.
[11] Inquérito Administrativo nº 08700.004318/2018-11.
[12] APAC nº 08700.002598/2020-48.
[13] Ato de Concentração nº 08700.003528/2020-15.