189ª Sessão Ordinária do Tribunal do CADE realizada em 15 de dezembro de 2021. Pautas, atas e áudio da sessão disponíveis em www.cade.gov.br
Destaques da Superintendência-Geral do CADE
SG desconsidera faturamento de transações intragrupo e não conhece operação
A SG decidiu não conhecer Ato de Concentração [1] envolvendo a constituição de uma joint venture entre MF 92 Ventures LLC. (“Minerva”) e Amyris Inc. (“Amyris”) para atuar no mercado de desenvolvimento e comercialização de produtos que estendam a vida útil da carne bovina e embalagens biodegradáveis, segmento em que as partes não possuíam atuação prévia.
As partes notificaram a operação ad cautelam por entenderem que o Grupo Amyris não preencheria o critério do faturamento para notificação obrigatória. Segundo as partes, o CADE define faturamento bruto como “valor total das vendas e serviços prestados, incluindo os impostos sobre o faturamento como, por exemplo, o ICMS” [2]. Dessa forma, como a maior parte do faturamento do Grupo Amyris não é derivado de atividade econômica – como venda de produtos ou serviços – mas sim da transferência de recursos intragrupo e do fornecimento de matéria-prima para fabricantes próprios contratados, as Requerentes entenderam que parte relevante das receitas registradas pelo grupo não deveriam ser computados como “faturamento bruto” nem como “volume de negócios” para fins de cálculo do critério previsto na Lei nº 12.529/2011.
De fato, a SG acolheu o argumento das Requerentes e decidiu pelo não conhecimento da operação, considerando que o critério do faturamento não foi atingido. Conforme destacou a SG, precedentes do CADE [3] indicam que transações intragrupo costumam ser excluídas da contabilização do faturamento bruto dos grupos econômicos envolvidos em operações porque podem gerar duplicidade de valores.
SG conhece e aprova aquisição de ativos que não estavam em operação
A SG decidiu conhecer e aprovar, sem restrições, Ato de Concentração [4] que tratou da aquisição de ativos, pela FMM Pernambuco Componentes Automotivos Ltda. (“FMM”), consistentes em equipamentos, maquinários e utensílios de cabine robotizada para pintura de peças plásticas automotivas, da Plastic Omnium do Brasil Ltda (“Plastic Omnium”).
A FMM é uma joint venture composta pelos Grupos Faurecia e Stellantis que fabrica especialmente componentes automotivos plásticos para a Fiat Chrysler Automóveis Brasil Ltda (“Chrysler”). A Plastic Omnium, por sua vez, atua na fabricação e fornecimento de peças plásticas automotivas. As partes notificaram a operação ad cautelam e argumentaram que ela não deveria ser conhecida, pois “além de estarem inativos desde 2016, os Ativos não são essenciais e tampouco são suficientes para exercer a integralidade da atividade econômica da FMM” [5].
A SG, contudo, não acatou o argumento das Requerentes [6]. Em relação à operacionalidade do ativo, a SG destacou que o fato de um determinado ativo não estar em operação não é requisito impeditivo para conhecimento da operação, ainda que seja um elemento relevante para a análise de efeitos da operação no mercado. Ademais, os ativos de pintura, ainda que não aumentem a capacidade produtiva total da FMM, aumentariam a produção de ativos acabados, que constituem o produto de maior peso para a empresa, impactando na própria oferta de veículos. Assim, a SG concluiu que a operação deveria ser conhecida por envolver aquisição de ativo essencial para atividade econômica e por incrementar a capacidade produtiva da FMM.
De qualquer maneira, a SG concluiu que a operação não suscitaria preocupações concorrenciais por não alterar as condições do mercado, já que a relação comercial entre as partes é preexistente à operação e a FMM não é um fornecedor relevante para terceiros, dado que suas peças são quase exclusivamente direcionadas ao uso cativo pela Chrysler.
SG instaura investigações de cartéis em licitações e influência a conduta uniforme
A SG instaurou três novos processos administrativos para apurar condutas relacionadas a dois supostos cartéis em licitações públicas e uma suposta prática de influência à conduta uniforme.
O primeiro destes processos [7] busca apurar suposto cartel em licitação pública para fornecimento de materiais, equipamentos e serviços para substituição e ampliação da rede de dados do edifício do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”). Conforme Nota Técnica de instauração [8], o STJ tomou conhecimento, a partir de semelhanças incomuns e erro nas propostas de cotação, constatadas por intermédio de Processo Administrativo Disciplinar e relatórios do TCU, de possíveis trocas de informações e documentos sensíveis entre concorrentes com o intuito de balizar o “valor estimado” a ser lançado no sistema de registro de preços, mediante combinação de cotações acima do valor de mercado e propostas de cobertura que buscavam garantir aparência de legitimidade, comunicando então os fatos à SG. A SG considerou que existem indícios suficientes de fixação de preços, divisão de mercado e ajuste entre concorrentes para fraudar a licitação do STJ, instaurando o processo administrativo.
O segundo processo [9] instaurado diz respeito a um suposto cartel em licitação para contratação de serviços de transporte escolar de alunos do ensino da rede pública estadual de São Paulo no município de Fernandópolis. Conforme Nota Técnica de instauração [10], a SG recebeu denúncia da Secretaria de Estado de Educação de São Paulo em que alegava que empresas participantes de seus certames haviam se utilizado dos mesmos IPs (Internet Protocol – IP) para enviar lances. Em alegações em sede de ofício encaminhado pelo Governo do Estado de São Paulo, duas empresas (“Grupo A”) alegaram serem parte de um mesmo grupo econômico de fato, enquanto outras duas empresas (“Grupo B”) afirmaram explicitamente não serem parte do mesmo grupo. Em sua análise inicial, a SG considerou que as empresas do Grupo A não constituem um mesmo grupo econômico, dado que não há relações econômicas nem familiares entre si; já as empresas do Grupo B, embora contem com um mesmo sócio que detém participação superior a 20% em seu capital, teriam afirmado atuar de maneira independente no mercado. Assim, considerando que as empresas utilizaram os mesmos IPs para apresentar suas propostas e participaram de diversos certames em conjunto sem fazerem parte de um mesmo grupo econômico, a SG entendeu que existem indícios de formação de acordo para apresentação de “ofertas de cobertura” em licitações.
Por fim, o terceiro processo instaurado [11] busca apurar suposta influência à conduta uniforme por executivo do setor sucroenergético que, ao participar em Workshop promovido pelo Sindicato das Indústrias de Bioenergia do Estado de Pernambuco, se manifestou, além de outros tópicos, por “um ordenamento de oferta…mínimo” para aumento do preço do produto, mediante conversa mensal entre concorrentes [12]. A SG considerou que a manifestação do investigado teria potencial de produzir efeitos deletérios por distorcer variáveis de mercado que “necessariamente” afetariam mercados ou elos da cadeia conectados. A SG também considerou que, por divulgar estratégia comercial em sua fala, a conduta também poderia configurar a prática de “revelação unilateral de informação”, já apreciada em outras jurisdições, em que a transparência facilita colusão ao propiciar ponto focal de alinhamento de condutas. Dessa forma, a SG julgou suficientes os indícios de prática anticompetitiva para instaurar processo administrativo.
Destaques da Sessão de Julgamento
Tribunal concede autorização para exercício de direitos políticos em aquisição de controle via oferta pública antes de aprovação pelo CADE
O Tribunal do CADE deferiu, por unanimidade, autorização para que a SAS Shipping Services SÀRL (“SAS”) exerça determinados direitos políticos sobre a Log-In Logística Intermodal S.A. (“Log-In”) a fim de resguardar o pleno valor dos investimentos até a decisão definitiva do CADE sobre o Ato de Concentração [13] envolvendo a aquisição, via oferta pública de ações, pela SAS, de 62% a 67% do capital social da Log-In, nos termos do voto do Conselheiro Relator Luiz Hoffmann.
A SAS é uma subsidiária da MSC Mediterranean Shipping Company Holding S.A. (“MSC”), que opera negócios de plataforma de agenciamento, terminais de contêineres e logística. A MSC, controladora do Grupo MSC, atua por meio de uma rede global integrada de transporte rodoviário, ferroviário e marítimo, bem como em serviços de terminal de contêineres e cruzeiros. A Log-In, por sua vez, opera rede logística de serviços marítimos de cabotagem, longo curso e fluvial no transporte de cargas em geral, além do terminal portuário de Vila Velha/ES. A operação resultará em sobreposições horizontais nos mercados de terminais portuários, transporte rodoviário de carga e armazenagem de carga não alfandegada; e em integrações verticais entre os mercados de transporte marítimo regular de contêineres, os serviços portuários; a navegação de cabotagem; e os serviços de manutenção de reparo de contêineres e navegação de cabotagem.
A operação foi notificada sob o Procedimento Ordinário em 20 de outubro de 2021. Em 04 de novembro de 2021, a SAS apresentou pedido em caráter de urgência para que pudesse: (i) convocar Assembleia Geral Extraordinária e indicar três membros para compor o Conselho de Administração da Log-In; (ii) deliberar sobre matérias votadas pelo Conselho de Administração em assembleias-gerais que alterassem a condução normal dos negócios e pudessem afetar a imagem da empresa; e (iii) exercer direito de voto nas assembleias em matérias que coloquem em risco o status quo da Log-In e/ou o curso normal de seus negócios. Segundo a SAS, tais pedidos eram necessários para cumprir com obrigações legais da Log-In, assim como “para a proteção do pleno valor do investimento“, pois na ausência de controlador e acionista de referência, existiria risco de que os negócios da Log-In fossem conduzidos por acionistas minoritários na contramão dos interesses alinhados entre as Partes.
De início, o Relator destacou que a questão naquele momento seria examinar o pedido de autorização para o exercício de direitos políticos formulado pela SAS, e não tratar do mérito do Ato de Concentração. Além disso, o Relator ressaltou que ofertas públicas de ações constituem uma exceção no modelo de notificação prévia de atos de concentração, já que podem ser notificadas após sua publicação e independem da aprovação do CADE para sua consumação. Contudo, o Regimento Interno do CADE veda o exercício de determinados direitos políticos até a aprovação definitiva pelo CADE para resguardar ingerências em mercados potencialmente afetados. Segundo o Relator, excepcionalmente, tais restrições podem ser afastadas por meio de pedido de urgência, sem que se confunda com o procedimento de autorização precária para consumação prévia de atos de concentração. No entanto, dado que não há norma que regule o procedimento para análise de pedido de autorização para exercício de direitos políticos em caso de oferta pública de ações, o procedimento de análise de autorização precária para consumação de atos de concentração seria utilizado. Assim, o Relator entendeu necessário avaliar os seguintes pontos para decidir sobre os pedidos da SAS: (i) riscos à concorrência relacionados aos direitos políticos requeridos; (ii) plausibilidade do direito (fumus boni iuris); e (iii) perigo na demora (periculum in mora).
Quanto aos riscos à concorrência, o Relator apontou que a autorização poderia resultar na eliminação da concorrência entre as partes e em favorecimento de uma parte pela outra, além de troca de informações concorrencialmente sensíveis. No que se refere à plausibilidade do direito, o Relator avaliou que os diretos políticos pleiteados pela SAS de fato buscavam viabilizar preencher o valor do investimento. Por fim, quanto ao perigo na demora, o Relator concluiu que existiam riscos aos investimentos da SAS pela condução anômala dos negócios da Log-In, de forma que seria necessário antecipar o pleito de exercícios políticos na empresa-objeto tendo em vista o prazo de julgamento de atos de concentração ordinários.
Contudo, o deferimento do pedido não foi irrestrito e incondicional, dado que foram identificados riscos concorrenciais. O Relator acolheu as sugestões da SG para condicionar o exercício de direitos políticos a certas limitações, dentre as quais destaca-se que:
a) Que a autorização do exercício de quaisquer direitos políticos autorizados só ocorra após a devida comprovação do leilão e da titularidade das ações da Log-In que confiram poder de controle unitário para a SAS;
b) Que o CADE seja devidamente informado de todas as reuniões deliberativas que a SAS participe no âmbito da Log-In, por meio do Conselheiro independente a ser indicado pela SAS;
c) Que seja garantida a independência dos três (3) membros indicados pela SAS Shipping para compor o Conselho de Administração da Log-In;
d) Que o CADE possa monitorar a atuação dos referidos membros indicados pela SAS Shipping para compor o Conselho de Administração da Log-In; e
e) Que o membro indicado ao Conselho de Administração pela SAS encaminhe relatórios mensais ao CADE e que se comprometa com a autarquia por meio de termo de compromisso.
Na hipótese de descumprimento dos condicionantes, a SAS estará sujeita a multa diária no valor de R$ 200 mil. A decisão ainda poderá ser revista a qualquer tempo pelo Tribunal.
Tribunal aprova incorporação da Unidas pela Localiza com restrições
O Tribunal do CADE aprovou, por maioria, Ato de Concentração [14] envolvendo a incorporação da Companhia de Locação das Américas (“Unidas”), pela Localiza Rent a Car S.A. (“Localiza”), condicionando-o a remédios estabelecidos em Acordo em Controle de Concentrações (ACC), nos termos do voto da Conselheira Relatora Lenisa Prado.
A operação foi notificada ao CADE em janeiro de 2021 e envolve a incorporação, pela Localiza, da totalidade das ações da Unidas, que se tornará sua subsidiária. A Localiza atua nos segmentos de aluguel de carros, gestão de frotas e franchising. A Unidas atua especialmente nos segmentos de soluções de terceirização de frotas e locação de veículos. Os mercados relevantes afetados pela operação foram (i) locação de veículos (rent a car – RAC) a nível nacional, municipal e em aeroportos; (ii) gestão e terceirização de frotas (GTF), com dimensão nacional, caracterizado por locações entre 12 a 48 meses contratadas à distância, geralmente por pessoas jurídicas; e (iii) venda de veículos usados, segmentado em venda para varejo e atacado e analisado a nível nacional, ainda que a definição exata da dimensão geográfica tenha sido deixada em aberto.
A principal preocupação concorrencial suscitada dizia respeito à sobreposição horizontal no mercado de RAC, marcado, segundo o CADE, por barreiras à entrada, dentre as quais necessidade de financiamento, elevada escala mínima de veículos para efetiva competitividade, desenvolvimento de marca e tecnologia. Nesse mercado, a Localiza possuiria posição dominante consolidada em âmbito nacional, sendo a Unidas a segunda maior competidora. A instrução da SG também identificou sobreposição horizontal significativa em diversos municípios e aeroportos. Já no mercado de GTF, os níveis de concentração seriam menores e a franja do mercado era mais robusta, sendo liderado pela Unidas, seguida da Localiza. No mercado de venda de veículos, especialmente por se tratar de um mercado altamente pulverizado, não foram identificadas preocupações.
Considerando as preocupações concorrenciais identificadas, o Tribunal decidiu aprovar o Ato de Concentração condicionado a remédios estruturados e comportamentais. Em síntese, os remédios acordados incluem:
(i) Obrigação de desinvestimento de frota operacional da Unidas a um Comprador ou Compradores Alternativos;
(ii) Obrigação de desinvestimento de lojas de veículos usados (em municípios relevantes em que também haverá desinvestimento em RAC);
(iii) Obrigação de alienação da marca Unidas para uso pelo comprador nos mercados relevantes de RAC, GTF e venda de veículos e quaisquer outras atividades;
(iv) Obrigação de não realizar novas aquisições de empresas com atuação no mercado de RAC no Brasil pelo prazo de 2 anos;
(v) Obrigação de notificar qualquer nova aquisição de empresa com atuação no mercado de GTF no Brasil pelo prazo de 5 anos, independentemente do faturamento da empresa-alvo ou seu grupo econômico;
(vi) Obrigação de não criar obstáculos à contratação, pelo Comprador ou por um dos Compradores Alternativos, de executivos e gerentes de compras para atuação junto às montadoras;
(vii) Obrigação de não aliciar executivos e gerentes de compras para atuação junto às montadoras que sejam empregados do Comprador ou de um dos Compradores Alternativos por determinado período, exceto se previamente autorizado pelo CADE;
(viii) Obrigação de não aliciar Pessoal-Chave por determinado período, exceto se previamente autorizado pelo CADE;
(ix) Obrigação de não exercer direito de não-concorrência previsto no Acordo de Aliança assinado entre Localiza e Vanguard.
Nesses termos, a maioria do Tribunal do CADE considerou que os remédios tornam possível aprovar a operação. Os Conselheiros Paula Farani e Sérgio Ravagnani divergiram, votando pela reprovação da operação.
Tribunal nega ateste de licitude a política de preços mínimos anunciados da Michelin
O Tribunal do CADE decidiu, por maioria, negar ateste de licitude concorrencial a Política de Preços Mínimos Anunciados (“Política PMA”) no âmbito de Consulta [15] da Sociedade Michelin de Participação Indústria e Comércio Ltda (“Michelin”), nos termos de voto do Conselheiro Luis Braido.
A Consulta promovida pela Michelin solicitou o posicionamento do CADE em relação à licitude de sua Política PMA, que estabelece preços mínimos para anúncios direcionados ao consumidor final em publicidades no mercado de pneus para reposição, sem, contudo, fixá-los. Segundo a consulente, a Política PMA não teria o potencial de produzir efeitos negativos à concorrência, já que a Michelin não possui posição dominante, além de existirem justificativas econômicas como fortalecer a concorrência por qualidade do produto e evitar o efeito carona de revendedores.
Durante a 186ª Sessão Ordinária de Julgamento, realizada em outubro de 2021, a Conselheira Relatora Paula Farani proferiu voto pela conformidade parcial da Política PMA, considerando a impossibilidade de abuso do poder econômico da Michelin no varejo tradicional, dada sua participação de mercado inferior a 20%. Contudo, a Conselheira recomendou a exclusão de canais de monitoramento de revendedores, de mecanismos de retaliação por descumprimento e excluiu do âmbito da resposta à Consulta a aplicação da Política PMA sobre o e-commerce, dado que não existe diferente entre preço anunciado e final nesse canal. A Consulta foi objeto de pedido de vista do Presidente Alexandre Cordeiro, que votou pelo ateste de licitude, considerando a inexistência de poder de mercado da Michelin em qualquer canal de distribuição.
Durante a Sessão de Julgamento de 15 de dezembro, a Consulta foi objeto de vista em mesa pelo Conselheiro Luis Braido, que votou contrariamente ao ateste de licitude concorrencial à Política PMA. Segundo o Conselheiro, a Política PMA seria um tipo de restrição vertical de preço, com efeitos semelhantes ao de fixação de preços de revenda. Tais práticas, por sua vez, deveriam ser analisadas sob a ótica da presunção de ilicitude por gerarem preocupações concorrenciais referentes à eliminação da competição por preços. Assim, caso danos à concorrência sejam prováveis, seria necessário verificar se a conduta gera benefícios capazes de justificá-la.
No caso concreto, o Conselheiro Braido avaliou o poder de mercado e a potencialidade lesiva da Política PMA da Michelin. Segundo o Conselheiro, o raciocínio que relaciona a existência de posição dominante à potencialidade lesiva da prática seria válido, mas de forma relativa. Isso porque o mercado afetado seria de produtos heterogêneos, de forma que “as diferentes marcas mantêm sua capacidade de fixar preços e qualidade do produto mesmo quando detêm baixa participação de mercado”. Mais importante, o Conselheiro destacou que a Continental, rival da Michelin, já implementa uma política de preços mínimos anunciados no mesmo mercado, autorizada pelo CADE em 2018 [16]. Segundo o Conselheiro, “a inexistência de posição dominante faz com que as políticas de preço mínimo (fixação ou anunciado) não causem danos à competição, simplesmente porque o produtor não conseguirá sustentar preços mais elevados em decorrência da rivalidade com os concorrentes. Por outro lado, caso uma quantidade razoável de concorrentes possua a mesma política, a conduta deverá ser analisada com mais cuidado”.
De fato, considerando-se as participações de mercado da Michelin e da Continental somadas, ter-se-ia um controle próximo ou superior a 20% ao menos nos segmentos de fabricação de pneus destinados à reposição para automóveis e para veículos de carga. Assim, “caso seja o pleito da consulente seja deferido, haverá, como consequência, dois concorrentes no mercado à montante, com participação conjunta de mercado superior ou próxima a 20%, praticando a mesma política. Nesse caso, a prática não seria restrita a poucos produtores, pelo contrário, abrangeria parte considerável do mercado de pneus brasileiro, indicando a tendência indesejável de difusão da política para os demais concorrentes”. Não seria possível, nesse caso, argumentar que não declarar licitude da Política PMA da Michelin violaria a isonomia em relação à Continental, posto que “A Michelin submeteu sua consulta ao CADE em um contexto no qual um importante competidor já possui autorização para a prática. Caso a Michelin receba decisão positiva, isso significaria anular a competição intramarca em dois fabricantes relevantes, ampliando os efeitos deletérios ao consumidor”.
Dessa forma, segundo o Conselheiro, não seria possível afastar as preocupações concorrências advindas da conduta. Assim, caberia à Michelin o ônus de comprovar eficiências decorrentes da Política PMA e que essas eficiências fossem repassadas ao consumidor final, o que não aconteceu no caso concreto, uma vez que “no caso concreto, os revendedores especializados concorrem com rede de varejistas multimarcas, redes de concessionárias e distribuidores, varejistas online de pneus e marketplaces. Alguns desses modelos de negócio no varejo não contemplam a provisão de serviços especializados. Não se deve esperar que tais firmas passem a oferecer serviços especializados com a introdução da política de preço mínimo anunciado”. Por fim, haveria meios menos lesivos à concorrência poderiam alcançar os mesmos fins buscados pela Michelin (criar incentivos para os revendedores de pneus investirem em serviços), como publicidade e reformas em estabelecimentos de revendedores.
Ao final da votação, o Tribunal decidiu, por maioria, não conceder o ateste de licitude à Política PMA, acompanhando o entendimento do Conselheiro Luis Braido, ficando vencidos o Presidente Alexandre Cordeiro e a Conselheira Lenisa Prado. O Tribunal também entendeu necessário intimar a Procuradoria Federal Especializada junto ao CADE para que indique a melhor forma de reavaliar a decisão proferida na Consulta da Continental.
Tribunal decide arquivar investigação de gun jumping envolvendo aquisição de ativo não operacional
O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, arquivar Procedimento Administrativo para Apuração de Ato de Concentração (“APAC”) envolvendo a aquisição, pela JBS S.A. (“JBS”), de unidade de abate não operacional da Vale Grande Indústria e Comércio de Alimentos S/A – Frialto (“Vale Grande”) consumada sem aprovação do CADE [17], conforme voto da Conselheira Relatora Paula Farani.
A Vale Grande atua nos mercados de agropecuária, comércio de alimentos e no ramo frigorífico, e a JBS possui atuação global nos setores de alimentos, couro, biodiesel e colágeno. A operação ocorreu em 2014 e não foi notificada ao CADE sob o fundamento de que aquisições de ativos não operacionais não caracterizariam atos de concentração de notificação obrigatória – a unidade de abate entrou em atividade apenas em 2015, após substanciais investimentos pela JBS. A SG, contudo, considerou que à época da notificação as Partes preenchiam o critério de faturamento e que precedentes do CADE [18] exigem a notificação de aquisições envolvendo ativos caracterizados como produtivos ou que guardem mínima relação com a atividade econômica a ser desenvolvida, ainda que não operacionais. Portanto, a SG recomendou a condenação das partes por consumação prévia de ato de concentração sem autorização do CADE (gun jumping).
A Conselheira Relatora Paula Farani enfatizou que o entendimento atual do CADE quanto aos requisitos para notificação obrigatória de aquisições de ativos é bastante sedimentado. No entanto, os precedentes do CADE que sedimentaram o atual entendimento são posteriores à consumação da operação objeto de apuração. À época, o entendimento do CADE era diverso: o próprio Tribunal do CADE havia decido, um ano antes, não aplicar multa à JBS em operações consumadas sem prévia autorização da autarquia envolvendo unidades de abate não operacionais. Desta forma, a Relatora considerou que a JBS possuía legítima expectativa quanto à não obrigatoriedade de notificação da operação pela divergência do entendimento jurisprudencial àquela época, e que aplicar multa à empresa afrontaria a segurança jurídica, razão pela qual decidiu pelo arquivamento do APAC.
NOTAS
[1] Ato de Concentração de nº 08700.006102/2021-96.
[2] Vide Guia do CADE sobre as melhores práticas para envio de dados ao Departamento de Estudos Econômicos. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-para-envio-de-dados-ao-dee-do-cade_final_site.pdf.
[3] APAC nº 08700.001567/2018-55 (Wheaton Brasil Vidros Ltda. e Verescence Brasil Vidros Ltda.).
[4] Ato de Concentração de nº 08700.006220/2021-02.
[5] Vide “Formulário de Notificação”.
[6] Vide Parecer nº 542/2021/CGAA5/SGA1/SG.
[7] Processo Administrativo nº 08700.004172/2020-29.
[8] Nota Técnica nº 3/2021/CGAA9/SGA2/SG/CADE.
[9] Processo Administrativo nº 08700.005876/2019-85.
[10] Nota Técnica nº 12/2020/CGAA9/SGA2/SG/CADE.
[11] Processo Administrativo nº 08700.005439/2021-31.
[12] Nota Técnica nº 8/2021/CGAA9/SGA2/SG/CADE.
[13] Ato de Concentração n° 08700.005700/2021-48.
[14] Ato de Concentração n° 08700.000149/2021-46.
[15] Consulta nº 08700.004460/2021-64.
[16] Consulta nº 08700.004594/2018-80.
[17] APAC nº 08700.008174/2016-19.
[18] Ato de Concentração nº 08700.006524/2016-02.