186ª Sessão Ordinária do Tribunal do CADE realizada em 20 de outubro de 2021. Pautas, atas e áudio da sessão disponíveis em www.cade.gov.br
Destaques do CADE
Mandato do Procurador-Chefe junto ao CADE se encerra
O mandato de Walter de Agra Junior como Procurador-Chefe junto ao CADE se encerrou neste mês de outubro. Durante esta última 186ª sessão ordinária do CADE, o agora então ex-Procurador-Chefe foi homenageado pelo exercício de suas funções. Assume como Procurador-Chefe Interino o Procurador-Chefe Adjunto Rodrigo Abreu Belon Fernandes. A Presidência da República ainda não indicou o próximo a ocupar o cargo de Procurador-Chefe junto à autarquia.
CADE se manifesta sobre projetos de lei que tratam de uso de inteligência artificial e acesso a dados da Administração Pública
O CADE foi solicitado, pela Assessoria Legislativa do Ministério da Justiça, a apresentar análise sobre dois projetos de lei que tramitam no Congresso. O primeiro propõe estabelecer (i) “fundamentos, princípios e diretrizes para o desenvolvimento e aplicação de inteligência artificial no Brasil” (PL 21/2020), enquanto o segundo “altera a Lei nº 12.527, de 18 novembro de 2011 – Lei de Acesso à Informação, para ampliar as hipóteses de acesso a dados públicos pelos administrados” (PL 1745/2019).
Anteriormente, o CADE havia se manifestado favoravelmente à aprovação do PL 21/2020, mas com ressalvas. Naquela oportunidade, o CADE notou que a inclusão de um conceito de “Agente de Utilização” seria essencial para responsabilização de agentes econômicos por condutas anticompetitivas através do uso de sistemas de inteligência artificial, especialmente em face dos altos riscos colusivos e de práticas discriminatórias nos mercados digitais. O CADE também propôs a criação de sandboxes regulatórios – isto é, ambientes controlados para incentivo à criação e acompanhamento de projetos inovadores –, para facilitação, testagem e validação de sistemas de IA por um período limitado antes de disponibilizados ao mercado.
O CADE nada opôs em relação ao atual substituto à proposta do Projeto de Lei n° 21/2020, de autoria do Deputado Eduardo Bismarck (PDT/CE), dada sua abordagem “mais genérica e principiológica”[1]. Nesta nova proposta, o estabelecimento de direitos e deveres foi substituído por padrões a serem observados pelos entes federativos quando da regulamentação do tema, como a análise dos impactos regulatórios, a responsabilidade subjetiva dos agentes, exceto em relações de consumo, a promoção de mecanismos autorregulatórios e monitoramento por entidades setoriais competentes e a criação de sandboxes regulatórios como estímulo à inovação, conforme recomendação anterior do CADE. As conceituações de agentes de IA foram substituídas por um princípio de segurança e prevenção no seu desenvolvimento e aplicação, com o estabelecimento de competência da União para uniformização do tema.
Já em relação ao PL 1745/2019, os principais objetivos almejados referem-se ao alcance das obrigações de transparência às agências reguladoras, à identificação de recursos de entidades subvencionadas pela administração pública, à adoção de segurança cibernética e modelo de solicitação de anonimato na solicitação de acesso a informações pelos administrados e à disponibilização de informações, pela administração pública, quanto aos “parâmetros técnicos, metodológicos e/ou numéricos determinantes das decisões administrativas”. De maneira similar, o CADE nada opôs em relação ao projeto[2].
Destaques da SEAE
SEAE e DEE/CADE apresentam Nota Técnica conjunta com recomendações a novo modelo de comercialização de biodiesel
A Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE) e o Departamento de Estudos Econômicos (DEE/CADE) apresentaram Nota Técnica conjunta ao Grupo de Trabalho “Priorização da Agricultura Familiar na Cadeia de Biodiesel”, com argumentos técnicos que subsidiam os posicionamentos adotados pelo Ministério da Economia e pelo CADE[3]. O Grupo de Trabalho foi criado no contexto da avaliação da regra que estabelece que um percentual de até 80% do volume comercializado de biodiesel deve ser reservado aos produtores desse combustível detentores do Selo Biocombustível Social (SBS) pelo Comitê Técnico Integrado para o Desenvolvimento do Mercado de Combustíveis, demais Derivados de Petróleo e Biocombustíveis (CT-CB), instituído pelo Decreto n° 9.928, de 22 de julho de 2019.
O Grupo de Trabalho é integrado por: Ministério de Minas e Energia, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da Economia, Ministério da Infraestrutura, Casa Civil da Presidência da República, Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Os principais temas analisados foram, além da reserva de 80% do mercado de biodiesel a produtores detentores do SBS, a restrição à importação de biodiesel para mistura obrigatória prevista na legislação e o benefício da assistência técnica e extensão rural que deve ser prestado por detentores do SBS a agricultores familiares. Em primeiro lugar, a SEAE e o DEE/CADE argumentaram que a exigência de que 80% do biodiesel utilizado seja proveniente de unidades detentoras de SBS cria barreiras à entrada para outros produtores que não tenham o Selo, inclusive importadores, e pode resultar em “um mecanismo que garanta a participação de empresas com menor competitividade, onerando ainda mais o consumidor”. Os órgãos também afirmaram que a restrição de importação de biodiesel como fonte de abastecimento para mistura obrigatória restringe a oferta interna do combustível.
Por fim, a SEAE e o DEE/CADE consideraram que o programa de benefício de assistência técnica e extensão rural sofre de fragilidades, como ausência de metodologia de precificação dos custos de assistência técnica, ausência de padronização das informações apresentadas pelas empresas nos relatórios de assistência técnica e extensão rural, ausência de um normativo específico que estabeleça os parâmetros para a seleção da amostra de documentos para comprovação das despesas de assistência técnica e ausência de planejamento da amostra de documentos para comprovação de despesas e execução de assistência técnica e extensão rural.
Em conclusão, portanto, a Nota Técnica conjunta afirma que “não há amparo econômico que justifique a manutenção da atual reserva de mercado para os produtores do SBS”.
Destaques da Sessão de Julgamento
Tribunal do CADE decide não avocar Ato de Concentração envolvendo Marfrig e BRF
O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, não homologar pedido de avocação de ato de concentração envolvendo a aquisição, pela Marfrig Global Foods S.A. (“Marfrig”) de participação societária de 31,67% das ações ordinárias da BRF S.A. (“BRF”)[4]. O pedido de avoação havia sido apresentado pela Conselheira Lenisa Prado que, após apresentação de esclarecimentos adicionais pelas requerentes, também votou pela não avocação do caso.
Em síntese, o ato de concentração foi aprovado sem restrições pela Superintendência-Geral do CADE em 23 de setembro, tendo sido notificado pelas partes no final de maio. A decisão da Superintendência verificou que a operação acarretaria integração vertical entre o mercado de carne in natura, onde atua a Marfrig, e o mercado de carne bovina processada (hambúrgueres, almôndegas e quibes), onde atua a BRF, e sobreposição horizontal no mercado de carne bovina processada (hambúrgueres, almôndegas e quibes), onde ambas as partes possuem atividades.
No entanto, a operação não despertaria qualquer preocupação concorrencial dado que, quanto à integração vertical, a participação de mercado da Marfrig em termos de abate de bovinos é inferior a 10% e (ii) apesar de a participação da BRF no mercado de processados de hambúrgueres ultrapassar 30%, a empresa teria baixa representatividade em relação à oferta de carne da Marfrig e do mercado como um todo. Dessa forma, o risco de fechamento de mercado seria muito reduzido, dado que competidores das partes em todos os segmentos afetados permaneceriam tendo fornecedores alternativos e capacidade de competir. Por sua vez, as sobreposições horizontais entre as atividades das partes no mercado de carne bovina processada em termos de participação de mercado combinada seriam muito limitadas e não despertariam qualquer preocupação concorrencial.
Em seu Despacho Decisório requerendo a avocação do caso[5], a Conselheira Lenisa Prado havia destacado que a análise da Superintendência-Geral havia falhado por desconsiderar o poder de conglomerado gerado pela operação, dado que “ao focar em aspectos horizontais e verticais ignora que se trata de dois grandes grupos no setor de alimentos atuantes no Brasil e no exterior, e que são líderes nacionais e mundiais em diversos segmentos. A atuação coordenada das Requerentes em diversos segmentos tenderia a impactar significativamente a dinâmica concorrencial e ter efeitos tanto para fornecedores como para os consumidores. Seria necessária na instrução uma análise do impacto da operação também em mercados como o de food service, de varejo, de atacado, em especial no de alimentos processados em que as duas empresas têm uma significativa capacidade e nos quais seria necessário examinar se existe segmentação”. Nesse sentido, seria necessário “desenvolver uma análise mais ampla sobre os mercados envolvidos e a complementaridade dos produtos, a fim de perceber se, e como, tais relações podem reforçar poder de mercado. Ou, ainda, de outro lado, como a eventual complementaridade e incremento das atividades das Requerentes podem proporcionar ganhos de eficiência e de bem-estar ao consumidor.”
Em voto-vogal, a Conselheira Lenisa Prado registrou que as partes teriam apresentado, em memoriais e reunião, dados que possibilitaram afastar suas preocupações com a operação. Não obstante, a Conselheira afirmou que pretende “analisar com bastante atenção novos atos de concentração que venham a ser apresentados envolvendo agentes deste mercado [setor de alimentos], considerando a sua importância social e econômica para o nosso país” e sugeriu que “a SG verifique a possibilidade da adoção de outros critérios que permitam uma análise do poder de mercado com maior precisão em hipóteses como a do processo em tela, em especial critérios que permitam dimensionar o eventual poder de conglomerado afeto a certas operações e seus eventuais impactos nos diversos elos da cadeia”. Os demais membros do Tribunal acompanharam o voto da Conselheira pela não avocação do caso.
NOTAS
[1] Vide Nota Técnica nº 7/2021/ASPAR-PRES/PRES/CADE.
[2] Nota Técnica nº 8/2021/ASPAR-PRES/PRES/CADE.
[3] Nota Técnica Conjunta 1/2021 SEAE/ME-DEE/CADE.
[4] Ato de Concentração nº 08700.002747/2021-50.
[5] Despacho Decisório nº 17/2021/GAB1/CADE