170ª Sessão Ordinária do Tribunal do CADE realizada em 9 de dezembro de 2020. Pautas, atas e áudio da Sessão disponíveis em www.cade.gov.br

 

Destaques da Superintendência-Geral

 

SG impõe medida preventiva contra prática do Grupo Globo de bonificação por volume a agências de publicidade

A Superintendência-Geral instaurou Inquérito Administrativo contra o Grupo Globo Comunicações para apurar a adoção de cláusulas de “bonificação por volume” (BV) em contratos com agências de publicidade que lhe prestam serviços no segmento de programação de conteúdo para TV aberta e fechada [1]. A bonificação por volume trata, em síntese, de uma forma de “plano de incentivo” para que as agências prestem serviços em determinados volumes ao pagador da BV. As evidências de que o Grupo Globo pratica a BV com agências de publicidade teriam sido coletadas ao longo de investigação iniciada em fevereiro de 2020.

Segundo a SG, o Grupo Globo detém posição dominante nos mercados de TV fechada e aberta, sendo capaz, com a adoção das bonificações por volume, de fechar o mercado contra concorrentes e aumentar a dependência econômica das agências. Isso porque essas bonificações por volume, quando adotadas por empresa detentora de posição dominante, seriam capazes de induzir a fidelização das agências, que passariam a concentrar seus investimentos na emissora.

Além disso, a SG argumentou que o adiantamento das bonificações pelo veículo de comunicação também seria possivelmente problemático , dado que tornaria a emissora, de certa maneira, credora das agências de publicidade, que precisariam assegurar que seus futuros trabalhos fossem suficientes para garantir um percentual de bonificação equivalente ao já recebido. Para a SG, esse adiantamento promoveria então uma relação de dependência econômica das agências em relação ao Grupo Globo. Como resultado, haveria indução à fidelidade ou, no limite, à exclusividade de agências de publicidade em relação ao Grupo Globo, reduzindo o acesso de seus concorrentes a esses serviços.

Dessa forma, a SG entendeu que a prática de BV pelo Grupo Globo resultaria em efeitos anticompetitivos consistentes no reforço de sua posição dominante nos mercados de TV aberta e fechada devido ao fechamento do mercado de venda de tempo/espaço publicitário para a programação de conteúdo para TV. Ainda, a SG considerou que havia urgência na adoção de medida que impedisse o Grupo Globo de continuar essa prática, dado que os contratos de BV compreendem obrigações de trato sucessivo. Assim, a SG impôs medida preventiva para determinar que o Grupo Globo (i) abstenha-se de celebrar novos contratos de Plano de Incentivo e (ii) abstenha-se de realizar qualquer adiantamento nos Planos de Incentivo, seja em contratos vigentes ou futuros.

 

Destaques da Sessão de Julgamento

 

Tribunal rejeita avocação e mantém aprovação sem restrições da fusão entre FCA e PSA

Por maioria, o Tribunal decidiu não homologar pedido de avocação da fusão entre Fiat Chrysler Automobiles N.V. (FCA) e Peugeot S.A. (PSA) apresentado pela Conselheira Lenisa Prado e manteve a decisão da Superintendência-Geral pela aprovação da operação sem restrições [2].

A operação dará origem à entidade Stellantis N.V e havia sido aprovada sem restrições pela SG em novembro. Contudo, a Conselheira Lenisa Prado proferiu despacho de avocação ainda naquele mês, observando que em determinados segmentos de autopeças e de veículos (especialmente furgões pequenos) haveria uma significativa concentração de mercado, o que poderia levar a cenários de distorção da dinâmica concorrencial e abuso de posição dominante, demandando um exame mais atento da operação pelo Tribunal.

Conforme o voto do Relator do pedido de avocação, Conselheiro Mauricio Bandeira Maia, a operação não seria preocupante dado o porte limitado da PSA no Brasil, bem como o significativo nível de rivalidade entre as montadoras no país, o que teria sido analisado detalhadamente pela SG. Além disso, o Conselheiro considerou que a avocação da operação acarretaria prejuízos em termos de celeridade ao CADE e às Requerentes, resultando em impactos negativos no mercado. Assim, a avocação da operação não se justificaria, devendo a aprovação sem restrições pela SG ser mantida. Foram vencidas as Conselheiras Lenisa Prado e Paula Farani, que votaram a favor da avocação pelo Tribunal.


Tribunal aplica multas com base na vantagem auferida pelas empresas participantes de cartel em licitações

Por unanimidade, o Tribunal condenou sete empresas e duas pessoas físicas por formação de cartel em licitações públicas municipais destinadas à aquisição de ambulâncias e equipamentos médico-odontológicos [3]. As empresas teriam combinado a apresentação de propostas de cobertura para fraudar o caráter competitivo de licitações entre 1999 e 2005. O início da investigação se deu em 2008, no âmbito da “Operação Sanguessuga” conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.

Enquanto a condenação dos representados se deu por unanimidade, a dosimetria das multas foi objeto de divergência. Conforme o voto da Conselheira Relatora Paula Farani, as multas deveriam ser calculadas com base na vantagem auferida pelas empresas com a prática ilícita. Isso porque não havia dados que permitissem inferir e estimar o faturamento das empresas no ano anterior à instauração do processo, dado que as representadas, à exceção de apenas uma, já se encontravam inativas à época, não registrando qualquer faturamento.

Assim, os únicos parâmetros disponíveis nos autos para a determinação da base de cálculo das multas seriam os valores obtidos nas licitações afetadas pelo acordo anticompetitivo realizadas nos anos de 2002 a 2005. Valendo-se do consenso internacional de que cartéis geram sobrepreço, e com base em estudos elaborados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo Departamento de Estudos Econômicos do CADE (DEE), a Relatora estimou que o cartel teria resultado em um sobrepreço médio de 20% sobre o valor das licitações em que os Representados se sagraram vencedores. Esse valor seria, então, a “vantagem auferida” pelas empresas, que serviria como parâmetro para a aplicação de multas tanto às empresas quanto às pessoas físicas. A maioria do Tribunal acompanhou o voto da Conselheira Farani, restando vencidos o Conselheiro Mauricio Oscar Bandeira Maia, o Conselheiro Luiz Augusto Azevedo de Almeida Hoffmann e o Presidente Alexandre Barreto.

As multas impostas aos envolvidos na conduta ilícita somaram mais de R$ 55,4 milhões. Os condenados pela prática também foram proibidos de contratarem com instituições financeiras oficiais e de participarem de licitações realizadas pela Administração Pública Federal, Estadual, Municipal e do Distrito Federal e por entidades da administração indireta, pelo prazo de cinco anos, bem como de exercerem o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica pelo mesmo período.


Tribunal aprova prorrogação de Vessel Sharing Agreement entre Maersk e MSC

Por unanimidade, o Tribunal do CADE rejeitou recurso do terceiro interessado ICTSI Rio Brasil Terminal 1 S.A. (ICTSI Rio) e confirmou a aprovação sem restrições da prorrogação de contrato do tipo Vessel Sharing Agreement (VSA) celebrado entre a Maersk Line A/S (Maersk) e a MSC Mediterranean Shipping Company S.A. (MSC). [4] O VSA constitui um acordo de operação conjunta de serviço de transporte marítimo.

A Superintendência-Geral havia aprovado a operação sem restrições em outubro, mas o terminal portuário ICTSI Rio recorreu contra a decisão, alegando existirem preocupações relacionadas ao reforço de efeitos verticais decorrente do VSA. Segundo a ICTSI Rio, a relação vertical entre a MSC e o terminal portuário Multi-Rio Operações Portuárias S/A (MultiRio), bem como a cláusula do VSA que conferia discricionariedade à MSC ou à Maersk para, separadamente, escolherem seu terminal de operação, criariam incentivos para que as cargas da MSC e da Maersk através do VSA fossem transferidas apenas para o terminal MultiRio, seu concorrente.

No entanto, conforme a decisão do Tribunal, não haveria indícios mínimos de que a cláusula de seleção de terminais gerasse fechamento no mercado de movimentação de contêineres, mesmo considerando a presença de terminais verticalmente integrados nos portos de escala da rota do VSA. Isso porque os critérios utilizados para seleção de terminais eram objetivos e relacionados a variáveis competitivas e operacionais, bem como estavam alinhados com as práticas de mercado. Além disso, os volumes transportados pelo VSA e movimentados pelos terminais no Estado do Rio de Janeiro seriam baixos e insuficientes para suscitar preocupações concorrenciais de fechamento ou inviabilização das operações de terminais concorrentes.


Tribunal impõe medida preventiva contra cláusula de exclusividade do Hemobanco de Curitiba/PR

Por maioria, o Tribunal do CADE impôs medida preventiva contra o Instituto Paranaense de Hemoterapia e Hematologia (Hemobanco) para impedir que o banco de sangue firme novos contratos com hospitais da região de Curitiba/PR contendo, cumulativamente, cláusulas de exclusividade para prestação de serviços de hemoterapia e de pagamento antecipado [5].

A investigação teve início em junho deste ano a partir de representação com pedido de medida preventiva apresentada pelo Instituto de Hematologia e Hemoterapia de Curitiba (IHHC) [6]. Segundo o representante, o Hemobanco deteria posição dominante no mercado e teria adotado cláusulas de exclusividade com antecipação de pagamentos a hospitais da região como estratégia para fechar o mercado contra concorrentes. A SG indeferiu o pedido do representante, o que ensejou a apresentação de recurso voluntário ao Tribunal pelo IHHC.

Conforme o voto do Conselheiro Relator Luiz Hoffmann, embora a praxe fosse a existência de uma exclusividade de fato nas relações entre os hospitais e os prestadores de serviços de hemoterapia, que em geral tinham apenas um fornecedor, a adoção de contrato exclusividade de longa duração atrelado à antecipação de pagamentos tinha o potencial de gerar prejuízos à concorrência. Isso porque a antecipação de repasses constituía remuneração que premiava os hospitais não apenas pela exclusividade, mas também pela continuidade da relação contratual no longo prazo (5 anos), sob pena de devolução da integralidade dos valores repassados. Assim, o pagamento antecipado provocava a fidelização dos hospitais. No total, esses contratos teriam reservado 20-30% do mercado relevante para o Hemobanco.

O Relator considerou, então, que havia o risco de que o Hemobanco reservasse parcela ainda maior do mercado para si, caso tal modelo de contratação fosse replicado em outros contratos que possui com hospitais, bem como para outros hospitais atualmente atendidos por outros prestadores de serviços hemoterápicos. Assim, por maioria, o Tribunal deu provimento parcial ao recurso do IHHC para determinar que o Hemobanco deixe de firmar novos contratos com hospitais da região que contenham cláusula de exclusividade para prestação de serviços de hemoterapia com pagamento antecipado ao contratante, nos termos do voto do Relator. Foram vencidos os Conselheiros Luis Braido, Paula Farani e Lenisa Prado, que votaram pelo não provimento do recurso do IHHC.


Tribunal aprova acordos da Odebrecht, Carioca e OAS em investigação relacionada à Operação Lava Jato

Por unanimidade, o Tribunal homologou Termos de Compromisso de Cessação (TCCs) propostos pelas empresas Odebrecht [7], Carioca [8] e OAS [9] e pessoas físicas a elas relacionadas no âmbito de Inquérito Administrativo que investiga suposto cartel em concorrências públicas realizadas pela Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro, no âmbito da Operação Lava-Jato [10]. O inquérito foi aberto em 2013 com base em fatos noticiados na mídia, e posteriormente contou com celebração de acordo de leniência parcial com a Andrade Gutierrez Engenharia e com executivos e ex-executivos da empresa.

As empresas e seus funcionários reconheceram participação na conduta investigada, comprometendo-se a cessar o ilícito e cooperar com a investigação, bem como ao pagamento de contribuição pecuniária. O total das contribuições pecuniárias alcançou o valor de cerca de R$ 46 milhões.


Tribunal aprova acordos com cooperativas médicas da Bahia em investigação de influência à conduta uniforme

O Tribunal homologou, por maioria, TCCs propostos pela Cooperativa de Cardiologistas Intervencionistas da Bahia (Coopercati) [11], Cooperativa de Coloproctologia, Cirurgia Oncológica e Cirurgia do Aparelho Digestivo da Bahia (Coopercolo) [12] e Cooperativa de Angiologia e Cirurgia Vascular e Endovascular (Coopervasc) [13] no âmbito de Processo Administrativo que investiga prática de influência de conduta uniforme sobre seus associados [14].

O Processo Administrativo foi instaurado em decorrência de representação apresentada pela Unimed em face de treze cooperativas de especialidades médicas com atuação no Estado da Bahia. Segundo a Unimed, essas cooperativas estabeleciam preços abusivos e captavam a maior quantidade possível de médicos especialistas, que acordavam em não negociar individualmente com as operadoras de planos de saúde.

As cooperativas se comprometeram a cessar as condutas e colaborar com a investigação do CADE, adotar políticas de compliance e recolher, no total, cerca de R$ 2,8 milhões em contribuição pecuniária.foram vencidos os Conselheiros Sérgio Costa Ravagnani, Paula Farani e Lenisa Prado, que votaram pela não homologação dos TCCs.


NOTAS
[1] Inquérito Administrativo nº 08700.000529/2020-08.
[2] Ato de Concentração nº 08700.002193/2020-18.
[3] Processo Administrativo nº 08012.009732/2008-01.
[4] Ato de Concentração nº 08700.002724/2020-64.
[5] Recurso Voluntário nº 08700.003994/2020-92.
[6] Procedimento Preparatório nº 08700.000381/2020-01.
[7] Requerimento nº 08700.004137/2017-12.
[8] Requerimento nº 08700.004408/2017-21.
[9] Requerimento nº 08700.004419/2017-10.
[10] Inquérito Administrativo nº 08700.007277/2013-00.
[11] Requerimento nº 08700.002174/2020-83.
[12] Requerimento nº 08700.002160/2020-60.
[13] Requerimento nº 08700.002176/2020-72.
[14] Processo Administrativo nº 08700.000694/2017-56.