163ª Sessão Ordinária do Tribunal do CADE realizada em 26 de agosto de 2020. Pautas, atas e áudio da Sessão disponíveis em www.cade.gov.br

 

Destaques do Poder Judiciário

 

JFDF anula suspensão de cobrança de taxa de movimentação de contêineres determinada pelo CADE

A 4ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal julgou procedente ação ajuizada pela Brasil Terminal Portuário [1] para anular processo administrativo em que o Tribunal do CADE havia determinado a “cessação imediata, por parte da Brasil Terminal Portuário S.A., de quaisquer atos voltados à cobrança de THC-2 e/ou à cobrança de outros valores a título de supostas despesas adicionais para entrega de contêineres a recintos alfandegados independentes na zona de influência do Porto de Santos, inclusive a Marimex” [2]. Segundo o Tribunal do CADE, a cobrança, pelo operador portuário, de taxas adicionais a título de movimentação de contêineres para sua entrega a recintos alfandegados independentes caracterizaria infração à ordem econômica.

Conforme a sentença da JFDF, precedentes do Tribunal Regional Federal da 1ª Região já teriam firmado o entendimento de que não há ofensa à livre concorrência na cobrança, por arrendadora do terminal portuário, do serviço de segregação e entrega de contêineres (TSE – Taxa de Segregação e Entrega, TLC – Taxa de Liberação de Contêiner ou THC2 – Terminal Handling Charge 2) dos terminais alfandegados. Com a decisão, a Brasil Terminal Portuário poderá cobrar a tarifa referente ao serviço de segregação e entrega de contêineres.

 

Destaques da Superintendência-Geral do CADE

 

SG conhece aquisição de imóvel inativo como ato de concentração

A Superintendência-Geral conheceu e aprovou sem restrições a aquisição, pela Eindom Empreendimentos Imobiliários S.A., de um imóvel onde se localizava o antigo resort Club Med Itaparica, da Itaparica S.A. Empreendimentos Turísticos, até julho de 2019. O imóvel se encontrava fechado desde então [3].

A operação foi notificada ad cautelam, tendo as Requerentes sustentado que se tratava de mera compra e venda de um imóvel e, portanto, não deveria ser considerada um “ato de concentração” por não caracterizar “aquisição de ativos” nos termos do artigo 90 da Lei nº 12.529/2011. Isso porque, segundo as Requerentes, o grupo adquirente: (a) ainda não teria definido qual a finalidade do imóvel inativo adquirido, (b) não atuaria no setor hoteleiro (ao qual o imóvel se destina) e (c) não teria sua “capacidade produtiva” aumentada de alguma maneira pela operação, já que não possuía/geria outros ativos imobiliários no mesmo município do imóvel adquirido.

No entanto, a SG entendeu que a operação caracterizava de fato um ato de concentração, devendo, portanto, ser conhecida e analisada pelo CADE. Segundo o parecer da SG, a aquisição do imóvel conferiria “capacidade produtiva” ao adquirente, uma vez que “o imóvel construído é, ao mesmo tempo, um ativo essencial ao desenvolvimento de atividade econômica (no caso, hoteleira) e um ativo que confere capacidade produtiva, sendo muito distinto de um imóvel que demande investimento para torná-lo operacional na oferta de bens ou serviços”. Já o fato de que o adquirente não atua no mercado hoteleiro seria “indiferente para a análise de conhecimento […] devendo esta matéria ser enfrentada na análise de mérito do caso concreto”. Por fim, para a SG também não “importa para a subsunção de ato de concentração a alegação de que o comprador não vislumbra atualmente uma destinação para o ativo, uma questão deliberadamente privada”.

Uma vez conhecida a operação, a SG a aprovou sem restrições dada a inexistência de sobreposições horizontais ou integrações verticais, já que o grupo adquirente não atua no segmento de hotelaria nem nos relacionados ao ramo imobiliário no Brasil.

 

Destaques da Sessão de Julgamento

 

Tribunal reconhece prescrição e arquiva investigação no setor de autopeças

O Tribunal do CADE arquivou, por unanimidade, processo administrativo que investigava suposto cartel no mercado de sistemas de exaustão de veículos comercializados para fabricantes de equipamento original (“OEM”), nos termos do voto do Conselheiro Relator Sérgio Ravagnani [4].

A investigação fora iniciada a partir de Acordo de Leniência com empresas do grupo Tenneco e pessoas físicas [5]. Ao longo da investigação, as representadas Faurecia Automotive do Brasil Ltda. (“Faurecia”) e Magneti Marelli Sistemas Automotivos Indústria e Comércio Ltda., além de pessoas físicas, firmaram Termos de Compromisso de Cessação (TCC) com o CADE. O Tribunal reconheceu o cumprimento tanto do Acordo de Leniência quanto dos TCCs, arquivando o processo em relação aos representados que os assinaram.

Com a assinatura de Acordo de Leniência e TCCs, então, apenas a representada Meritor do Brasil Sistemas Automotivos Ltda. (“Meritor”) prosseguiu no polo passivo da investigação. A defesa dessa representada levantou dois pontos de discussão relevantes:

(i) se a alienação de ativos que compõem o negócio envolvido em uma prática anticompetitiva implica sucessão empresarial para fins de responsabilização pelo CADE;
(ii) se a suposta conduta da Meritor estaria prescrita, dado que se limitou a troca de informações concorrencialmente sensíveis com rivais, sendo o prazo prescricional aplicável de 5 anos.

Com relação ao primeiro ponto, a Meritor argumentou que atuou no mercado afetado pela suposta conduta apenas até 2007, quando vendeu sua divisão global de sistemas de exaustão para a Emcon Technologies Holdings Limited (“Emcon”). No Brasil, essa operação teria envolvido a transferência do negócio de sistemas de exaustão gerido pela sua subsidiária brasileira Arvin Meritor do Brasil Sistemas Automotivos Ltda. Posteriormente, em 2010, a Faurecia S.A. teria adquirido as sociedades controladas pela Emcon Holdings, com a incorporação dessas sociedades pela Faurecia Sistemas de Escapamento do Brasil Ltda. Assim, para a Meritor, eventual responsabilidade por infrações à ordem econômica no mercado de sistemas de exaustão até 2007 teria sido transferida à Emcon e posteriormente à Faurecia por sucessão empresarial, de forma que a Meritor não poderia ser responsabilizada pelo CADE.

O Tribunal do CADE, no entanto, entendeu que não houve sucessão empresarial para fins de responsabilização por eventuais práticas anticompetitivas. Isso porque a sucessão empresarial para fins concorrenciais somente seria configurada com a aquisição da integralidade de participações societárias ou com a extinção jurídica da entidade por meio de operações societárias de fusão, incorporação ou cisão integral. No caso da alienação do negócio de sistemas de exaustão da Meritor à Emcon em 2007 teria havido apenas transferência de ativos empresariais, sem que a Emcon tivesse adquirido participações societárias ou que a pessoa jurídica tivesse sido extinta. Dessa forma, não teria havido sucessão empresarial, sendo a Meritor responsável por eventuais condutas anticompetitivas praticadas até 2007.

Já quanto à ocorrência de prescrição, a Meritor argumentou que sua conduta poderia configurar, no máximo, troca de informações concorrencialmente sensíveis com rivais – diferente do cartel, conduta à qual se aplica prazo prescricional de 12 anos, a pretensão punitiva da Administração prescreveria em 5 anos nos casos de troca de informações concorrencialmente sensíveis. Assim, como o processo administrativo somente foi instaurado em 2017, a investigação estaria prescrita em relação à Meritor, seja considerando como marco prescricional inicial a data da última evidência envolvendo a empresa (2006) ou a data em que a Meritor alienou seu negócio de sistemas de exaustão (2007).

Analisando a participação da Meritor na conduta, o Tribunal do CADE concluiu que ela havia, de fato, se limitado ao compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis. No caso, as informações compartilhadas consistiam em metas de preços e de descontos de produtividade exigidas por uma montadora para avaliação da melhor proposta de fornecimento. Essas informações seriam específicas e contemporâneas a processos competitivos que estavam sendo conduzidos pelas montadoras, além de terem sido compartilhadas em âmbito restrito no qual apenas alguns fornecedores poderiam ter acesso a seu conteúdo. Assim, para o Relator, “o acesso a essas informações comerciais poderia orientar o comportamento estratégico dos fornecedores que tiveram conhecimento sobre essas informações, conferindo vantagem em relação aos demais fornecedores que não tiveram envolvimento”, e “a própria dinâmica competitiva conduzida pelas montadoras seria prejudicada, na medida em que, ao eliminar a assimetria informacional entre determinados fornecedores […] as estratégias para apresentação de cotação poderiam ser alteradas”.

As evidências de troca de informações sensíveis não permitiriam concluir, por outro lado, que a Meritor participava de acordo com rivais para fixar preços, restringir oferta ou dividir mercado, especialmente porque as informações sensíveis compartilhadas pela Meritor diziam respeito a preços de cotação que a empresa já havia apresentado.

Dessa forma, considerando que a conduta da Meritor se limitou ao compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis, o prazo prescricional seria de 5 anos, de forma que a pretensão punitiva da Administração em relação à Meritor teria prescrito.


Tribunal condena cartel de clínicas de anestesiologia no Rio Grande do Sul

O Tribunal do CADE condenou, por unanimidade, três clínicas de anestesiologia e uma cooperativa por formação de cartel no Rio Grande do Sul, nos termos dos votos da Conselheira Relatora Lenisa Prado e da Conselheira Paula Farani [6].

Segundo a decisão, as clínicas de anestesiologia teriam negociado coletivamente os preços e condições de oferta de procedimentos anestesiológicos a hospitais e operadoras de planos de saúde. As negociações coletivas teriam sido promovidas pela Cooperativa dos Anestesiologistas da Região Nordeste do Rio Grande do Sul (Carene), que foi condenada por influência à adoção de conduta uniforme.

Com a condenação, as clínicas e a cooperativa pagarão multas de cerca de R$ 3,5 milhões no total, além de deverem se abster de realizar negociações coletivas de serviços de anestesiologia (no caso das clínicas) e de promover, apoiar ou fomentar movimentos de boicote e paralisação coletiva de atendimentos a beneficiários de planos de saúde ou descredenciamentos em massa (no caso da Carene).


Tribunal avoca aquisição de ativos da Bunge Alimentos pela Seara

O Tribunal do CADE aprovou proposta do Conselheiro Luis Braido de avocação da operação de aquisição de ativos de produção de maioneses e margarinas da Bunge pela Seara [7]. O ato de concentração foi notificado ao CADE em março de 2020 e aprovado sem restrições pela Superintendência-Geral no final de julho.

Conforme o parecer de aprovação da SG, a operação resultaria em sobreposição horizontal no mercado de margarinas e integração vertical entre o mercado de óleo de soja degomado, onde atua a Bunge, e os mercados de margarinas e maioneses, que utilizam o óleo como insumo e onde atua a Seara. Segundo a SG, a integração vertical não despertaria preocupações concorrenciais por não ser o óleo de soja degomado um recurso escasso, sendo seu mercado pulverizado e com significativa capacidade ociosa. Já o mercado de margarinas teria seu nível de concentração aumentado, com a Seara passando a deter participação de mercado de 30-40% e o HHI chegando a mais de 4000 pontos. No entanto, a SG entendeu que a possibilidade de que a operação desse ensejo a exercício de poder de mercado unilateral ou coordenado seria baixa devido à existência de rivalidade suficiente no mercado de margarinas.

Em despacho de avocação, o Conselheiro Luis Braido afirmou ser necessário um exame mais detalhado tanto da integração vertical, sendo importante avaliar a relação de fornecimento de óleo de soja degomado entre a Bunge e a BRF S/A, quanto da sobreposição horizontal, sendo necessário aprofundar a análise das justificativas para aprovação da operação frente à existência de alta concentração e de elevadas barreiras à entrada no mercado de margarinas.

Com a avocação, a relatoria do ato de concentração foi distribuída, por sorteio, ao Conselheiro Sérgio Ravagnani.


NOTAS
[1] Processo nº 1023375-03.2018.4.01.3400.
[2] Processo Administrativo nº 08700.003006/2017-18 (Recurso Voluntário nº 08700.005723/2018-57).
[3] Ato de Concentração nº 08700.003501/2020-14.
[4] Processo Administrativo nº 08700.001486/2017-74.
[5] Tenneco Automotive Brasil Ltda., Tenneco Brazil Ltda., Tenneco Automotive Operating Company Inc., Tenneco Inc. e The Pullman Company.
[6] Processo Administrativo nº 08012.003893/2009-64.
[7] Ato de concentração nº 08700.001134/2020-14.