A pandemia da Covid-19 tem impactado todos os setores da economia. Na AJDC, estamos operando normalmente em sistema de home office, dedicando-nos a manter nossos parceiros bem informados e a entregar serviços com a mesma agilidade e excelência de sempre.

 

Com o intuito de oferecer um panorama sobre os impactos da Covid-19 sobre o Direito da Concorrência brasileiro, preparamos esse Boletim Informativo Especial sumarizando os principais pontos de atenção.

 

Medidas adotadas pelo CADE

 

Funcionamento do CADE

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) permanece funcionando normalmente. Dentre as medidas adotadas para a proteção da saúde de servidores e profissionais da área do direito da concorrência estão a substituição das reuniões presenciais por videoconferências, home office para os servidores e o cancelamento de eventos e viagens internacionais por 30 dias.

 

Suspensão de Prazos

No dia 23 de março foi publicada a Medida Provisória nº 928/2020, que alterou a Lei nº 13.979/2020 determinando, dentre outras medidas, que “não correrão os prazos processuais em desfavor de acusados e entes privados processados em processos administrativos enquanto perdurar o estado de calamidade”, decretado em 20 de março pelo Senado Federal.

Ante essa determinação, o CADE informou em nota de 25 de março que ficarão suspensos os prazos processuais de:

 

(i) Processos Administrativos para Imposição de Sanções Administrativas por Infrações à Ordem Econômica;

(ii) Procedimentos Administrativos para Apuração de Atos de Concentração (APAC); e

(iii) Processos Administrativos para Imposição de Sanções Processuais Incidentais.

 

Os prazos dos demais procedimentos administrativos como Atos de Concentração, Inquéritos Administrativos, Procedimentos Preparatórios de Inquéritos Administrativos, Consultas, negociações de acordos (Leniência, ACC e TCC) e monitoramento de Termos de Compromisso de Desempenho permanecem correndo normalmente.

 

Além disso, o CADE afirmou em nota que analisará com atenção casos que eventualmente requeiram prorrogação de prazo, mediante pedidos justificados e fundamentados.

 

Realização de Sessões de Julgamento por Meio Virtual

Na 156ª Sessão de Julgamento (1º/04), o Tribunal do CADE aprovou por unanimidade a Emenda Regimental nº 1/2020, que alterou o Regimento Interno da autarquia para tornar possível a realização de sessões de julgamento por meio virtual.

 

Os principais aspectos relativos ao formato das sessões de julgamento por meio virtual são os seguintes:

 

(i) A pauta que determinar a realização de sessão de julgamento por meio virtual deverá conter decisão fundamentada do Presidente do CADE sobre sua necessidade;

(ii) A sessão de julgamento poderá ser realizada por meio virtual em situações de força maior ou caso fortuito que inviabilizem sua realização presencial;

(iii) As sessões de julgamento por meio virtual serão transmitidas ao vivo no sítio eletrônico do CADE;

(iv) As sustentações orais realizadas nas sessões de julgamento por meio virtual deverão ser enviadas em arquivo de mídia à Secretaria do Plenário no prazo de vinte e quatro horas antes do início da sessão;

(v) Aos advogados das partes será garantido acesso, em tempo real, ao ambiente da sessão de julgamento virtual, para formular requerimento de ordem, mediante intervenção sumária para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas.

 

O Tribunal do CADE realizou sua primeira Sessão de Julgamento por meio virtual no dia 15 de abril, às 10h.

 

Investigações no contexto da Covid-19

 

SG investiga eventual abuso de preços em produtos voltados ao combate de Covid-19

A Superintendência-Geral do CADE instaurou procedimento preparatório[1] para investigar eventual abuso de preços na venda de produtos relacionados ao combate do Covid-19.

 

Foram oficiadas com urgência cerca de 80 empresas do setor da saúde, como hospitais, farmácias, fabricantes e distribuidores de medicamentos e outros materiais utilizados no tratamento da doença, além de secretarias de saúde. As oficiadas deverão apresentar notas fiscais referentes à comercialização desses produtos entre novembro de 2019 e 15 de março de 2020 e continuar enviando reportes mensalmente sobre esses dados até agosto de 2020.

 

Historicamente, os precedentes do CADE rejeitam investigações sobre preço excessivo, reconhecendo que não há parâmetro que possa ser adotado para essa definição. Contudo, diante da excepcionalidade da crise gerada pelo Covid-19, declarações e discursos dos membros do CADE têm indicado a necessidade de se examinar práticas de preço. Por isso, importante ter atenção em caso de alterações nas políticas de preço.

 

Projetos de lei do Congresso Nacional referentes ao enfrentamento da Covid-19

 

Propostas do Projeto de Lei 1179/2020 para o regime do Direito da Concorrência

No dia 3 de abril, foi aprovado pelo Senado Federal o Projeto de Lei 1179/2020, apresentado pelo Sen. Antônio Anastasia (PSD/MG), que propõe diversas normas de caráter transitório e emergencial para a regulação das relações jurídicas de Direito Privado durante o período da pandemia da Covid-19.

No campo do direito da concorrência, o PL1179/2020 propõe:

 

(i) Suspender a aplicação de sanções às infrações anticoncorrenciais referentes à prática de preço predatório e cessação total ou parcial sem justa causa das atividades da empresa para atos praticados entre 20 de março e 30 de outubro de 2020 ou enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6/2020;

(ii) Suspender pelo mesmo prazo a necessidade de notificação ao CADE de contratos associativos, consórcios e joint ventures;

(iii) Determinar que o julgamento de infrações anticoncorrenciais praticadas a partir de 20 de março de 2020, e enquanto durar o período de calamidade pública, deverá considerar as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia de Covid-19;

 

A versão aprovada no Senado Federal esclarece que a suspensão da necessidade de notificação referida no item “ii” acima não afasta a possibilidade de análise posterior do ato de concentração, bem como a apuração de infração à ordem econômica dos acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia.

 

O projeto foi encaminhado para votação na Câmara dos Deputados, onde estará sujeito a alterações.

 

CADE recomenda cautela a Projetos que tratam de controle de preços

A Presidência do CADE encaminhou ao Congresso Nacional duas notas técnicas elaboradas pelo Departamento de Estudos Econômicos do CADE (DEE) fornecendo subsídios para discussões sobre dois projetos de lei que tratam:

 

(a) do congelamento de preços de medicamentos durante o período de calamidade pública (Projeto de Lei nº 881/2020) e

(b) do estabelecimento de teto máximo de preços para itens essenciais ao combate da Covid-19 baseado no preço médio desses itens nos últimos 90 dias, durante o período de calamidade pública (Projeto de Lei nº 1008/2020).

 

As notas técnicas recomendam cautela às propostas, destacando que já existe regulação setorial de teto de preços de medicamentos no Brasil e que o controle de preços poderia gerar desincentivos à produção, levando ao desabastecimento no curto prazo e aumento de preços no longo prazo. Segundo as notas, a divulgação de preços poderia criar ainda incentivos a práticas coordenadas, uma vez que os agentes dos mercados afetados teriam acesso a dados mercadológicos sensíveis e a estratégias comerciais de seus concorrentes.

 

Cooperação entre concorrentes em tempos de crise

 

A cooperação pode ser lícita, mas cuidados são necessários

Uma possível resposta ao cenário de crise ora instalado pode ser a cooperação entre concorrentes. Embora a cooperação entre empresas que deveriam estar competindo possa despertar suspeitas, há inúmeras maneiras pelas quais concorrentes podem cooperar de modo pró-competitivo, firmando acordos que aumentem a eficiência de suas atividades produtivas ou de distribuição, sem restringir indevidamente a livre concorrência.

 

De fato, em linha com agências de defesa da concorrência de outras jurisdições como os EUA e a União Europeia, bem como de países latino-americanos como o México, que têm publicado diretrizes para a cooperação emergencial entre concorrentes no contexto da pandemia, o Presidente do CADE afirmou em Mensagem publicada em 23 de março que a autarquia será “razoável e compreensível na análise de demandas específicas que aqui cheguem”.

 

Não se deve pressupor, entretanto, que o CADE aceitará práticas anticompetitivas unicamente devido ao contexto da crise da Covid-19 – como destacado pela Mensagem da Presidência do CADE, o órgão permanecerá vigilante para coibir eventuais abusos. É certo que práticas como formação de cartel, compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis e abuso de posição dominante permanecerão sujeitas a repressão pelo CADE e pelas demais autoridades competentes. Da mesma forma, acordos de cooperação entre concorrentes podem precisar de autorização prévia do CADE caso caracterizem contratos associativos, consórcios ou joint ventures (note-se que a suspensão da obrigatoriedade de notificação dessas operações proposta pelo PL 1179/2020 ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional).

 

Navegar pelas possibilidades de cooperação entre concorrentes sem incorrer em riscos de violação à legislação será, portanto, desafiador para os agentes econômicos. Para reduzir riscos, é recomendável a consulta a profissionais da área do direito da concorrência, que poderão auxiliar na adequação de acordos de cooperação à legislação antitruste.

 

[1] Procedimento Preparatório nº 08700.001354/2020-48.