162ª Sessão Ordinária do Tribunal do CADE realizada em 12 de agosto de 2020. Pautas, atas e áudio da Sessão disponíveis em www.cade.gov.br

 

Destaques do CADE

 

DEE lança estudo sobre concorrência em mercados digitais

O Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do CADE publicou o estudo Concorrência em mercados digitais: uma revisão dos relatórios especializados. Trata-se de documento de trabalho que apresenta uma revisão de 21 estudos, relatórios e white papers produzidos por agências de defesa da concorrência de outras jurisdições e centros de pesquisa internacionais sobre a concorrência nos mercados digitais.

Com o objetivo de auxiliar no aprimoramento e atualização do CADE sobre o tema, o estudo do DEE sistematiza esses estudos internacionais em sete seções, que compreendem análises sobre benefícios gerados pelos mercados digitais, sobre os serviços de redes sociais, buscas, app stores e marketplaces, assim como panoramas de soluções propostas para endereçar potenciais problemas e áreas que demandam análises mais aprofundadas. O estudo foi disponibilizado no site do CADE e pode ser consultado clicando aqui.

 

Destaques do Poder Judiciário

 

STJ confirma ilicitude de cláusula de exclusividade em contratos de corretagem de imóveis

Em decisão monocrática, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sérgio Kukina negou provimento a Recurso Especial apresentado pelo Conselho Federal de Corretores de Imóveis (COFECI) [1] em demanda sobre a licitude de exigência, pelo COFECI, de cláusula de exclusividade em contratos de corretagem de imóveis. O CADE ingressou como parte interessada no caso.

Em resumo, resoluções do COFECI previam a exigência de que corretores de imóveis, fossem pessoas físicas ou jurídicas, somente anunciassem publicamente a venda de bens caso tivessem firmado contrato de intermediação com exclusividade com os proprietários de imóveis. Após o processamento da demanda nas instâncias inferiores, acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) reconheceu a ilicitude dos dispositivos das resoluções do COFECI que impunham a contratação de corretagem de imóveis com exclusividade. Conforme o TRF5, inexiste na Lei nº 6.530/1978, que regulamenta a profissão de corretor de imóveis, previsão de exclusividade nos contratos de intermediação imobiliária, de forma que a criação dessa exigência pelo COFECI implicaria restrição ao exercício profissional, além de afronta à ordem econômica por tolher a livre concorrência entre os corretores de imóveis e às relações de consumo por impedir os consumidores de escolherem livremente mais de um profissional da área.

Analisando o caso, o Ministro Sérgio Kukina entendeu que o TRF5 havia decidido corretamente. Conforme a decisão do Ministro, a Lei nº 6.530/1978 prevê apenas que os corretores de imóveis não podem anunciar publicamente propostas de transações a que não estejam autorizados por documento escrito, sem impor exclusividade a essa autorização de divulgação pública. As resoluções do COFECI teriam, com isso, criado restrição adicional ao direito fundamental de liberdade da atividade profissional, violando o princípio da legalidade. Embora o caso não envolva diretamente o direito da concorrência, trata-se de precedente relevante sobre os limites da atuação dos conselhos de classe em ações que restringem a concorrência entre profissionais.

 

Destaques da Superintendência-Geral do CADE

 

SG aprova aquisição da operação da Nike no Brasil pela controladora da Centauro

A Superintendência-Geral aprovou sem restrições a aquisição da Nike do Brasil Comércio e Participações Ltda. pelo Grupo SBF S.A., que atua no comércio varejista de artigos esportivos no Brasil por meio da marca Centauro [2]. A empresa NS2.COM INTERNET S.A. (Netshoes) é terceira interessada no caso.

Em sua análise, a SG verificou que a Operação resultará em sobreposição horizontal entre as atividades da Nike do Brasil e do Grupo SBF no mercado de varejo de artigos esportivos e integração vertical entre as atividades à jusante do Grupo SBF no varejo de artigos esportivos e as atividades à montante da Nike no mercado de distribuição de artigos esportivos. Para as Requerentes, a operação não despertaria preocupações concorrenciais em nenhum mercado relevante. Já o terceiro interessado argumentou que os artigos esportivos da Nike são um diferencial competitivo no varejo, e a operação despertaria riscos essencialmente pela possibilidade de que o Grupo SBF prejudicasse rivais no varejo de artigos esportivos ao recusar ou impor condições discriminatórias à distribuição de artigos esportivos da Nike.

A partir de testes de mercado, a SG entendeu que as participações de mercado combinadas das Requerentes em quase todos os cenários de sobreposição horizontal considerados [3] seria inferior ou apenas ligeiramente superior a 20%, inexistindo preocupações concorrenciais. Mesmo nos cenários onde a participação combinada das Requerentes superaria 20% com variação de concentração significativa, o aprofundamento da análise pela SG teria mostrado que há rivalidade suficiente para tornar improvável o exercício de poder de mercado após a operação.

Com relação à integração vertical identificada entre as atividades do Grupo SBF e da Nike, a SG avaliou se haveria riscos de (a) fechamento de mercado contra rivais da Centauro no varejo de artigos esportivos por meio de recusa de contratar, aumento de custo de rivais ou favorecimento da Centauro na distribuição de produtos da Nike; (b) fechamento de mercado contra rivais da Nike na distribuição de artigos esportivos por meio de recusa de contratar ou outras práticas discriminatórias pela Centauro; e (c) acesso pelo Grupo SBF a informações sensíveis de concorrentes em diferentes níveis da cadeia produtiva em decorrência da estrutura resultante da operação.

Para a SG, a operação não implica nenhum desses riscos. Primeiro, embora tanto Nike quanto Centauro sejam relevantes em seus mercados, estratégias de fechamento de mercado, seja à montante ou à jusante, não seriam economicamente racionais dado que, de um lado, causariam perdas de receita significativas e dano às marcas e, de outro, não resultariam em benefícios significativos ao Grupo SBF. Assim, ainda que o Grupo SBF tivesse capacidade de implementar essas estratégias após a operação, ele não teria incentivos para tanto. Já quanto ao acesso pelo Grupo SBF a informações sensíveis de concorrentes, a SG considerou que regras de governança do Contrato de Distribuição firmado pelas Requerentes assegurariam o tratamento adequado de informações concorrencialmente sensíveis.

Com a aprovação da operação sem restrições pela SG, o caso somente será analisado pelo Tribunal do CADE se o terceiro interessado apresentar recurso ou se qualquer membro do Tribunal apresentar um pedido de avocação.

 

Destaques da Sessão de Julgamento

 

Tribunal multa Positron por contratos de exclusividade com distribuidores

O Tribunal do CADE condenou, por unanimidade, a PST Eletrônica S.A. (Positron) por dificultar a entrada e o desenvolvimento de concorrentes no mercado de alarmes automotivos por meio de contratos de exclusividade com distribuidores, nos termos dos votos do Conselheiro Relator Luiz Hoffmann e da Conselheira Paula Farani [4].

O caso teve início após a apresentação de Representação pela concorrente H-Buster São Paulo Indústria e Comércio Ltda. Segundo a Representante, a Positron teria abusado de seu direito de petição (“sham litigation”) e de direitos de propriedade intelectual em ações perante o Judiciário e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) visando a (i) inibir o uso por concorrentes de direitos de propriedade industrial, (ii) se opor ou anular pedidos de marcas e/ou desenhos industriais registrados por concorrentes perante o INPI e (iii) registrar de forma abusiva marcas e/ou desenhos industriais. Além disso, a Representante argumentou que a Positron teria fechado o mercado contra rivais por meio de contratos de exclusividade firmados com distribuidores de alarmes automotivos.

Primeiro, o Tribunal entendeu que não havia indícios de práticas de sham litigation nem abuso de propriedade intelectual nas ações da Positron. Segundo o Conselheiro Relator, de 21 processos judiciais examinados, haveria indícios de abuso do direito de petição em apenas 2. Esses indícios, no entanto, não seriam contundentes o suficiente para se considerar que a Positron teria praticado sham litigation. De maneira semelhante, não seria possível identificar objetivo explícito de lesar a concorrência nas ações da Positron, que foram propostas em face de concorrentes distintos e envolviam produtos distintos. Também não haveria indícios de abuso de petição em impugnações nem em depósitos de registros apresentados junto ao INPI. Os argumentos de ocorrência de abuso de direitos de propriedade intelectual, por fim, estariam relacionados à suposta ocorrência de sham litigation, de forma que essa prática não estaria configurada dada a ausência de indícios de abuso do direito de petição.

Por outro lado, o Tribunal considerou que os contratos de exclusividade firmados pela Positron caracterizaram infração à ordem econômica. Isso porque, em síntese, esses contratos fechariam parte substancial do mercado, impactando a oportunidade de os rivais concorrerem efetivamente. As seguintes características foram destacadas:
(a) Os contratos vigoravam há alguns anos, sendo os primeiros firmados em 2001;
(b) Os contratos tinham redação quase idêntica;
(c) A Positron era a única fabricante nacional de alarmes automotivos a firmar contratos de exclusividade com distribuidores;
(d) A Positron detinha reputação que viabilizava a prática dos acordos de exclusividade.

Mais importante, a Positron deteria posição dominante no mercado nacional de alarmes automotivos destinados ao mercado secundário independente (aftermarket), com participação de mercado que variou entre 60-70% e 70-80%, em termos de faturamento, e entre 40-50% e 60-70%, em termos de volume de vendas, durante o período de 2010 a 2018. Os distribuidores, por sua vez, seriam o principal e mais eficiente canal de distribuição desse mercado, respondendo por 57% do total de vendas no segmento entre 2010 e 2018. Com seus contratos de exclusividade, a Positron teria conseguido fechar entre 20-30% e 30-40% desses distribuidores, em termos de volume, e entre 20-30% e 40-50%, em termos de faturamento; em especial, os distribuidores que assinaram contratos de exclusividade com a Positron seriam os únicos com capilaridade nacional.

Assim, embora não se tenha realizado estudo para verificar se os concorrentes seriam capazes de competir de maneira efetiva tendo a sua disposição a parcela de distribuidores sem contratos de exclusividade com a Positron, o Tribunal entendeu que havia evidências suficientes de que os contratos de exclusividade fizeram com que “os concorrentes da Representada t[enham] de recorrer a vias menos eficientes de escoamento do produto, tais como as vendas diretas e os atacadistas, tendo, portanto, sua atuação dificultada no mercado, como se nota, dentre outros fatores, de seus dados de vendas e suas participações de mercado”.

Dessa forma, o Tribunal condenou a Positron por infração à ordem econômica, fixando o pagamento de multa no montante de R$ 8 milhões, além de determinar que a empresa exclua de seus contratos todas as cláusulas relativas à exclusividade de distribuição de alarmes automotivos.


Tribunal arquiva investigação de cartel no transporte de passageiros após declaração de nulidade de provas emprestadas

O Tribunal do CADE arquivou, por unanimidade, investigação de suposto cartel no mercado de transporte de passageiros sob regime de fretamento contínuo na cidade de Campinas/SP, nos termos do voto da Conselheira Relatora Paula Farani [5].

A investigação fora iniciada a partir do envio, pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do MP/SP – Núcleo Campinas (GAECO/Campinas), de documentação relativa a Procedimento Investigatório Criminal que investigava a existência de uma “quadrilha” voltada ao ajuste e combinação de propostas no mercado de transporte de passageiros. Foram juntadas aos autos provas obtidas a partir de interceptação telefônica e busca e apreensão, tendo a Superintendência-Geral do CADE realizado atos instrutórios adicionais à luz dessas provas.

No entanto, decisão posterior da 1ª Vara Criminal do Foro de Campinas declarou a nulidade das provas decorrentes das decisões de interceptação telefônica e eletrônica e de busca e apreensão e determinou o desentranhamento dessas provas dos autos do processo administrativo [6]. Com isso, foram considerados nulos também os atos instrutórios decorrentes dessas provas. As evidências restantes nos autos, por sua vez, seriam insuficientes para comprovar a participação dos Representados em conduta anticompetitiva. Assim, o processo administrativo foi arquivado em relação a todos os Representados.


Tribunal arquiva investigação de cartel internacional por reconhecer prescrição intercorrente

O Tribunal do CADE arquivou, por unanimidade, investigação de suposto cartel internacional com efeitos no Brasil no mercado de metionina, nos termos do voto da Conselheira Relatora Paula Farani [7].

Em síntese, enquanto o processo estava em fase de instrução, a Superintendência-Geral enviou ofício à Receita Federal do Brasil, solicitando informações sobre efeitos da suposta conduta no Brasil, no dia 03 de setembro de 2015. Após isso, as únicas movimentações nos autos teriam sido a juntada de resposta da Receita Federal em 23 de fevereiro de 2016 e despachos de deferimento de solicitação de acesso aos autos confidenciais por advogados das Representadas. A SG expediria despacho encerrando a fase de instrução apenas em 07 de novembro de 2018.

Conforme entendeu o Tribunal, a prescrição intercorrente ocorreu devido a terem se passado mais de três anos entre o envio de ofício pela SG, em 03 de setembro de 2015, e o encerramento da fase instrutória, em 07 de novembro de 2018, sem que a SG realizasse atos capazes de interromper a prescrição. Isso porque, de um lado, despachos de mero expediente, deferindo solicitações de acesso a autos confidenciais, não caracterizam atos de apuração da infração; a juntada de resposta a ofício pela Receita Federal em fevereiro de 2016, da mesma forma, não seria ato de apuração da infração pelo CADE, mas mera decorrência do envio de ofício em setembro de 2015.

Assim, com o reconhecimento da prescrição intercorrente, o processo administrativo foi arquivado em relação a todos os Representados.


NOTAS
[1] REsp nº 1255934 – PB.
[2] Ato de Concentração nº 08700.000627/2020-37.
[3] Foram considerados os seguintes cenários: mercado nacional de varejo de artigos esportivos englobando os canais de venda físico e online, incluindo um cenário abrangendo apenas calçados esportivos; mercado nacional de varejo online de artigos esportivos; mercado nacional de varejo online de calçados esportivos; mercado municipal de varejo físico de artigos esportivos, mais especificamente nos seguintes municípios: Vila Velha (ES), Goiânia (GO), Contagem (MG), Curitiba (PR), Rio de Janeiro (RJ), São Gonçalo (RJ), Novo Hamburgo (RS), Guarulhos (SP), Osasco (SP), Ribeirão Preto (SP), Santo André (SP), São Bernardo do Campo (SP), São José dos Campos (SP) e São Paulo (SP).
[4] Processo Administrativo nº 08012.005009/2010-60.
[5] Processo Administrativo n° 08012.012165/2011-68.
[6] Processo Digital nº 1020940-20.2020.8.26.0114.
[7] Processo Administrativo n° 08012.009581/2010-06.